A ditadura militar e a festa popular – Parte 2: O monstro da inflação

Bruno Filippo*

No início de 1984, a ditadura civil-militar brasileira estava chegando ao fim; não se sabia ao certo como seria a transição à democracia. No primeiro semestre a campanha das “Diretas Já” agitou o país; e, derrotada a mobilização, as atenções voltaram-se para as maquinações que poria fim ao ciclo de duas décadas do regime, ao escolher um presidente civil para presidir o país.

O carnaval daquele ano – que marcou a inauguração do Sambódromo – ocorreu em março; antes, portanto, do movimento popular – a emenda das “Diretas” foi votada em abril – e dos conluios que, quase um ano depois, faria de Tancredo Neves Presidente da República. Mesmo moribunda, a ditadura tinha seus esgares de autoritarismo – como na censura à imprensa na cobertura da votação das “Diretas”. Foi nesse carnaval que a escola de samba “Em cima da hora” desafiou-a com o enredo de protesto “33, Destino Dom Pedro”.

Protestava a escola de Cavalcanti, subúrbio do Rio de Janeiro, por meio de um trajeto da linha de trem que dá nome ao enredo, contra as péssimas condições de vida da população pobre e trabalhadora; mas o fazia com humor e vindicações, de modo que a malemolência na arte de driblar a agruras torna a obra melódica e poética nem satírica, nem triste. É um samba diferente – diferente das obras com que São Clemente, Caprichosos e Império Serrano desfilaram na segunda metade da década de 1980 com sarcasmo, bom humor e crítica, já no período de redemocratização. E, sem cair no clichê de que é atual porque pobreza sempre existiu, aborda um fenômeno tão presente no Brasil dos anos 1980 quanto neste 2021 – a inflação. Está no segundo refrão:

Não é mole não
Com a inflação
Almejar a regalia
E o projeto da Nação

Trecho de “33,Destino Dom Pedro”

Em três décadas, gerações de homens e mulheres estão pela primeira vez sentindo os efeitos da inflação. Ela começa nos estertores da ditadura, com o aumento dos juros americanos, a crise da dívida externa e a crise do Petróleo.

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Em 1984, a inflação brasileira era apenas um ensaio do que viria nos anos seguintes – descontrole que a fez chegar a 1000% ao ano, planos econômicos fracassados para debelá-la. Ela só foi controlada com o Plano Real, em 1994 – há 27 anos, portanto.

Os jovens de 2021 poderão cantar a plenos pulmões o samba da “Em cima da Hora” no carnaval do ano que vem. A escola reeditará o samba e o enredo. Será a primeira a desfilar, no Grupo de Acesso, na sexta-feira. Literalmente, abrirá o carnaval.

*Bruno Filippo é jornalista e sociólogo.

Este texto não reflete necessariamente a opinião do Setor 1.

Romulo Tesi

Romulo Tesi Jornalista carioca, criado na Penha, residente em São Paulo desde 2009 e pai da Malu. Nasci meses antes do Bumbum Paticumbum Prugurundum imperiano de Aluisio Machado, Beto Sem Braço e Rosa Magalhães, em um dia de Vasco x Flamengo, num hospital das Cinco Bocas de Olaria, pertinho da Rua Bariri e a uma caminhada do Cacique de Ramos, do outro lado da linha do trem. Por aí virei gente. E aqui é o meu, o nosso espaço para falar de samba e Carnaval.

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