Ator, diretor, produtor, músico, cantor, dançarino. Benjamin de Oliveira era tudo isso, muito além do justo, mas insuficiente rótulo de primeiro palhaço negro do Brasil, como ficou conhecido o protagonista do enredo do Salgueiro de 2020.
“Ficou essa marca, mas ele foi tão mais do que isso…”, diz Alex de Souza, carnavalesco responsável por transformar em desfile de escola de samba a vida multifacetada e turbulenta do pobre menino negro que virou artista de sucesso no Rio de Janeiro – cidade que ainda convivia com as marcas deixadas pela escravidão na virada do século 19 para o 20.
Benjamin de Oliveira nasceu em 1870, na cidade que hoje é Pará de Minas. Fugiu da violência do pai aos 12 anos e se mandou com o circo – não há consenso sobre sua condição, se nascera livre ou se fora escravizado. De ajudante em pequenos serviços, ganhou espaço e virou palhaço, sua primeira atividade artística, mas logo roubou a cena e virou atração principal no centro do palco. Conquistou o grande público e ganhou fãs no jet set da época. No fim da vida, alguns admiradores chegaram a se mobilizar para garantir uma aposentadoria tranquila ao artista. Morreu no Rio, aos 83 anos, em 1954. No seu obituário, um jornal da época o chamou de “o maior palhaço do Brasil”.
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Em conversa ao Setor 1, Alex de Souza contou sobre o enredo “O Rei Negro do Picadeiro” e seu protagonista. Leia a entrevista:
Como você chegou ao Benjamin de Oliveira? Ou ele chegou a você?
Eu tinha uma dezena de propostas de enredos, e queria fazer algo ligado ao Rio de Janeiro, por todas essas dificuldades da cidade. Cheguei a pensar no centenário da Clarisse Lispector, li um livro chamado “O Rio de Clarisse” e achei bem interessante, mas achei que não teria aquele apelo popular. Pesquisando outros temas, esbarrei no Benjamin duas vezes. Aí ouvi uma voz dizer: “por que não fala dele de uma vez?”
Você já tinha ouvido falar nele antes?
Já o conhecia, mas pouco. Então fui buscar entendê-lo. Li o livro da Ermínia Silva [“Benjamim de Oliveira e a Teatralidade Circense no Brasil”] e encontrei nele aquela figura perfeita para o Salgueiro, que é conhecido por exaltar heróis negros, alguns desconhecidos do grande público. E era a oportunidade de trazer um pano de fundo que o Salgueiro ainda não havia experimentado, que é o circo e o circo-teatro.
Como você percebeu o que tinha na sua mão como tema?
Vi que era interessante ter um protagonista negro, mas que está fora do esquema África, Brasil colonial, escravidão, candomblé, mais comuns no Carnaval. Era um homem negro artista, ator, diretor, produtor, palhaço, cantor, compositor, dançarino… O cara era extraordinário, tinha muitos talentos. Achei que tinha um material maravilhoso para colocar esse negro no picadeiro, no palco do teatro, entre operetas, obras de William Shakespeare, a alegria dos palhaços, além do circo antigo. É uma história de vida emocionante com um material visual formidável. Depois ainda descobri uma coincidência: os 150 anos dele em 2020. Não podia ser outro. Ele fugiu aos 12 anos e entrou no circo. Foi batendo cabeça até se tornar uma figura importante. Ele pega o final do século 19 e início do século 20, época do auge do circo. E ainda dou uma puxada na representatividade negra, o espaço do negro no palco. Muitos se inspiraram nele. O [ator] Aílton Graça, que também é palhaço, se inspirou no Benjamin.
Então ele vai ser o Benjamin no desfile?
Provavelmente ele será um dos [Benjamin]. (risos)
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Ele ganhou esse rótulo de “primeiro palhaço negro do Brasil”. Mas ele foi mais que isso?
Muito mais. Ficou essa marca, mas ele foi tão mais do que isso… Não que não seja importante, mas foi um sujeito que ousou fazer paródia de “O Guarani” [a ópera de Carlos Gomes], fez “Otelo” [de William Shakespeare], “A Viúva Alegre – inclusive trocava correspondências com o criador da ópera, o Franz Lehar, sobre figurinos. Era um cara abusado, que se tornou erudito, com alta capacidade de se recriar. Isso tudo depois de enfrentar muitas dificuldades, a começar dentro de casa. Ele fugiu por causa do pai, que era uma espécie de capitão do mato, muito bruto e cruel. Um dia o circo passou pela cidade [atual Pará de Minas (MG)], e ele foi para a porta vender broa de milho. Com 12 anos, sabia até ler e escrever, mas imagina um menino que cai no mundo e depois consegue ter conhecimento erudito de teatro, de música, composição, além de criar peça de teatro de revistam, gravou disco, fez de tudo.
Ele ainda é figura um tanto desconhecida, não?
Há aquele velho clichê de que o Brasil é um país sem memória, mas ele foi reverenciado em vida. A gente descobriu um jornal antigo, da década de 1950, que escreveu no obituário dele: “morre o maior palhaço do Brasil”. Não fala em maior palhaço negro, mas maior palhaço negro. Ele era conhecido de pessoas que são famosas até hoje. Quem o ajudou muito a conseguir uma aposentadoria foi o [escritor] Jorge Amado, na época deputado. Ele conseguiu que o governo pagasse uma pensão ao Benjamin. Mas outras pessoas tentaram ajudá-lo. Ele deve ter sido muito importante, mas ficaram poucos registros.
No lançamento do enredo, você disse que ele era uma “resposta para aqueles que querem acabar com a educação, a arte e a cultura do Brasil”. Já caindo num clichê inevitável, é um enredo crítico ou político?
Sim, mas de uma maneira muito diferente da que o Leandro [Vieira, carnavalesco da Mangueira] tem feito, que são enredos mais incisivos. Eu já vou mais pela sutileza. Em primeiro lugar são aos 150 anos do Benjamin. Reverenciar uma figura como essa é mostrar para todo mundo que é possível, um exemplo de vida para qualquer pessoa. Mas também é um enredo cultural. Isso [a frase] foi na época em que o governo tinha acabado com o Ministério da Cultura e falavam muito de cortes no Ministério da Educação. Com tanta dificuldade, sem subvenção, com prefeito que não apoia o Carnaval, a gente continua sendo resistência.
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