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Com ‘samba da Marielle’, Mangueira exaltará heróis esquecidos nas placas de rua

Brasil, meu nego, deixa eu te contar: a Mangueira dará sua contribuição fundamental para a atual efervescência política brasileira no Carnaval do próximo ano. Não bastasse o enredo sobre os personagens esquecidos na história do país, a Velha Manga levará para a Marquês de Sapucaí em 2019 um samba que não deixa pedra sobre pedra e que ainda destaca a vítima mais notável do negror desses tempos: a vereadora Marielle Franco, assassinada em março deste ano.

O “samba da Marielle”, como também é conhecida a obra assinada por Deivid Domênico e parceiros, vai além da sinopse escrita pelo criativo e inquieto carnavalesco Leandro Vieira. A letra coloca a ex-vereadora do PSOL ao lado da negra Luiza Mahin, num trecho que sintetiza o tema do desfile e o clamor ativista da bandeira feminista: “Brasil chegou a vez de ouvir as Marias, Mahins, Marielles, Malês”.

MAIS: Compositor da Mangueira exalta Marielle e prevê pressão da extrema direita: ‘samba terá que ser resistência’

Dado o momento político brasileiro, seja qual for o presidente eleito dia 28, o “samba da Marielle” tem tudo para virar hino já no pré-Carnaval, causando um óbvio desconforto nos setores mais conservadores da sociedade.

No enredo proposto por Vieira, “História para ninar gente grande”, saem personagens como Princesa Isabel e Duque de Caxias para a Mangueira jogar luz em heróis ignorados pelos livros de História, que nunca viraram nome de rua. “Tem sangue retinto pisado atrás do herói emoldurado. Mulheres, tamoios, mulatos, eu quero um país que não está no retrato”, diz o samba.

A letra engajada, com versos como “Na luta é que a gente se encontra”, já fez o samba ganhar corações e mentes fora da bolha do Carnaval. Gente que mal vê os desfiles já exaltou o hino mangueirense antes da escolha, feita na madrugada deste domingo.

Com isso a Mangueira pode repetir o “efeito Tuiuti” de 2018, quando o desfile de forte conteúdo político sobre a escravidão, e com a inesquecível sátira de um Michel Temer vampiro, fez com que a escola de São Cristóvão, vizinha de bairro da Manga, ganhasse a torcida da esquerda e dos movimentos sociais. A diretoria da agremiação correu para dizer que a Tuiuti era apolítica. OK, mas a escola já havia virado a queridinha dos esquerdistas.

É possível imaginar que algo semelhante aconteça com a Mangueira agora. A diferença é que, dado o gigantismo da Verde e Rosa, a repercussão pode ser muito maior, com consequências ainda imprevisíveis para o Carnaval. Inclusive em relação à reação dos detratores.

Marielle Franco, ainda que vítima de um assassinato brutal, até hoje sem solução, foi alvo de difamações desde o dia seguinte à sua morte. Alas da extrema-direita brasileira trataram o cadáver da vereadora como mais um corpo entre tantos outros, ignorando as fortes evidências de crime político.

Na ocasião, fotos falsas e informações inverídicas foram espalhadas na tentativa de colocar Marielle como alvo de uma suposta e insustentável “defesa de bandidos”, sempre em contraponto às mortes dos policiais. O discurso colou na direita, tanto que até hoje a figura da vereadora é alvo de ataques, em seguidas tentativas de novos assassinatos, só que de reputação.

No último episódio do tipo, os candidatos do PSL Daniel Silveira e Rodrigo Amorim, que disputavam vagas na Câmara dos Deputados e na Assembleia Legislativa do Rio, respectivamente, arrancaram a placa que rebatizava informalmente a Praça Floriano como Marielle Franco e a quebraram em um comício de campanha, sob gritos exaltados de centenas de apoiadores. Ao lado deles no ato, o candidato ao governo do Rio pelo PSC, Wilson Witzel, declarado aliado de Jair Bolsonaro, erguia o punho. Amorim foi o deputado estadual mais votado no Rio.

Em resposta, o site Sensacionalista fez uma vaquinha virtual e arrecadou dinheiro suficiente para fazer mil novas placas de Marielle, distribuídas neste domingo, 14.

É nesse Rio de Janeiro que o hino da Mangueira vai ecoar a partir de agora, num pré-Carnaval que deve começar a esquentar nos próximos dias, jogando luz sobre essa brava gente que nunca batizou um logradouro. E se um dia todos os personagens exaltados por Vieira e Domênico dessem seus nomes às ruas e avenidas da cidade, vai faltar braço bombado para arrancar tantas placas.

Ouça o samba e veja a letra abaixo:

BRASIL, MEU NEGO

DEIXA EU TE CONTAR

A HISTÓRIA QUE A HISTÓRIA NÃO CONTA

O AVESSO DO MESMO LUGAR

NA LUTA É QUE A GENTE SE ENCONTRA

 

BRASIL, MEU DENGO

A MANGUEIRA CHEGOU

COM VERSOS QUE O LIVRO APAGOU

DESDE 1500

TEM MAIS INVASÃO DO QUE DESCOBRIMENTO

TEM SANGUE RETINTO PISADO

ATRÁS DO HERÓI EMOLDURADO

MULHERES, TAMOIOS, MULATOS

EU QUERO UM PAÍS QUE NÃO ESTÁ NO RETRATO

 

BRASIL, O TEU NOME É DANDARA

TUA CARA É DE CARIRI

NÃO VEIO DO CÉU

NEM DAS MÃOS DE ISABEL

A LIBERDADE É UM DRAGÃO NO MAR DE ARACATI

 

SALVE OS CABOCLOS DE JULHO

QUEM FOI DE AÇO NOS ANOS DE CHUMBO

BRASIL, CHEGOU A VEZ

DE OUVIR AS MARIAS, MAHINS, MARIELLES, MALÊS

 

MANGUEIRA, TIRA A POEIRA DOS PORÕES

Ô, ABRE ALAS PROS TEUS HERÓIS DE BARRACÕES

DOS BRASIS QUE SE FAZ UM PAÍS DE LECIS, JAMELÕES

SÃO VERDE- E- ROSA AS MULTIDÕES

 

COMPOSITORES: DEIVID DOMÊNICO, TOMAZ MIRANDA, MAMA, MARCIO BOLA, RONIE OLIVEIRA E DANILO FIRMINO

Romulo Tesi

Romulo Tesi Jornalista carioca, criado na Penha, residente em São Paulo desde 2009 e pai da Malu. Nasci meses antes do Bumbum Paticumbum Prugurundum imperiano de Aluisio Machado, Beto Sem Braço e Rosa Magalhães, em um dia de Vasco x Flamengo, num hospital das Cinco Bocas de Olaria, pertinho da Rua Bariri e a uma caminhada do Cacique de Ramos, do outro lado da linha do trem. Por aí virei gente. E aqui é o meu, o nosso espaço para falar de samba e Carnaval.

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