A relação conturbada entre o samba e o poder público teve mais uma ameaça de rompimento por conta da recente briga – com direito à cenas públicas de traição – entre o prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, e as escolas. Tudo por causa do corte de 50% na verba da administração municipal destinada às agremiações. Mas esse episódio é apenas uma reedição de um enredo que já desfilou em São Paulo.
Em 1986, o então prefeito Jânio Quadros terminou o Carnaval de 1986 enfurecido com os gastos da sua gestão na festa. O prejuízo alegado aos cofres públicos fora de Cz$ 8 milhões – em cruzados, moeda que havia acabado de nascer. Em mais um de seus arroubos, o folclórico ex-presidente da República determinou que, no ano seguinte, a folia não receberia um tostão sequer da Prefeitura.
Nem os ônibus da CMTC (Companhia Municipal de Transportes Coletivos) Jânio queria ceder, ideia já cogitada em 1986, mas não levada adiante.
Não há notícia de que São Paulo precisava do dinheiro para investir em creches, como Crivella anunciou. Mas o conservador Jânio estava decidido a interromper os repasses, e mantou até uma comissão para entregar à iniciativa privada os custos do Carnaval, em troca de publicidade.
“O prefeito pretende que o próximo Carnaval seja patrocinado por empresas industriais e comerciais e pelas estações de televisão interessadas em transmitir os desfiles das escolas de samba”, noticiou o jornal Folha de S. Paulo na ocasião.
A ideia, porém, não saiu totalmente do papel. O prefeito de São Paulo conseguiu que os gastos com a estrutura montada para os desfiles, então na Avenida Tiradentes, ficassem a cargo de um consórcio, que exploraria a publicidade no local. Ainda assim, era um contrato de risco – para a Prefeitura, claro. A Anhembi, empresa criada para substituir a Paulistur (que fora presidida pelo atual prefeito João Doria na gestão Covas), mesmo com problemas financeiros, garantia um retorno mínimo de Cz$ 13 milhões e ainda se comprometia a cobrir o valor.
“Irrisório”
Por outro lado, a subvenção até cresceu, indo de Cz$ 600 mil para Cz$ 6 milhões, que seriam divididos entre agremiações e blocos. Para o grupo principal seriam destinados cerca de Cz$ 2,7 milhões – algo em torno de R$ 1,37 milhão (valor atualizado pela calculadora da FEE), a serem repartidos entre 10 escolas.
“Isto é irrisório, o governo e as empresas deviam investir mais no Carnaval de São Paulo, vamos ficar mais uma vez no prejuízo”, reclamou na época o então presidente da recém-criada Liga SP, Walter Guariglio, em declaração reproduzida pela Folha.
Atualmente, a subvenção da Prefeitura de São Paulo para cada escola é de R$ 1,1 milhão – sem reajuste em relação ao ano passado. Ainda assim, maior que a do Rio, que ficou em R$ 1 milhão. Fora os R$ 500 mil do Uber, que ainda patrocinou a montagem da estrutura na Intendente Magalhães. Velhas ideias que eventualmente voltam ao Carnaval, dos dois lados da Via Dutra.
Prefeito carioca
Curiosamente, foi um carioca, o prefeito José Vicente Faria Lima – o Brigadeiro Faria Lima – quem torna o Carnaval de São Paulo um evento oficial da cidade, com verba do município, em 167. Com regras importadas do Rio e estrutura semelhantes, com arquibancadas, mas ingressos gratuitos, os desfiles paulistanos aconteceram no ano seguinte na Avenida São João. O título ficou com a Nenê de Vila Matilde.
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Desse aí, Janio Quadros, poderia se esperar tudo.