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Compositor lembra como o calote de um político inspirou samba sobre candidato ‘caô’

Walter Meninão – Reprodução Youtube (Daniel De Pla)

Por causa de um calote, a música brasileira ganhou um clássico absoluto, com força para ser lembrado pelo menos a cada dois anos. A vítima foi o mestre de capoeira Walter Meninão; a obra, “Candidato Caô Caô”, eternizada por Bezerra da Silva e tornada trilha sonora informal dos memes dos períodos eleitorais.

A música narra a história de um candidato político que sobe o morro em busca de votos, se enturma com os moradores, abusa da demagogia e engana a população depois de eleito.

“Ele subiu o morro sem gravata/Dizendo que gostava da raça/Foi lá na tendinha/Bebeu cachaça/E até bagulho fumou/Jantou no meu barracão/E lá usou/Lata de goiabada como prato/Eu logo percebi/É mais um candidato/Para a próxima eleição”, diz a letra da música, gravada por Bezerra no álbum “Violência gera violência”, de 1988, ano de eleições municipais no Brasil, época em que Walter levou uma “volta” de um candidato.

“E até hoje continua tudo igual. Se deixar o cara muda até de religião”, dispara o autor da música, Walter Meninão, 67 anos, cria do morro do São Carlos, na região central do Rio de Janeiro, onde ainda vive. Lá, viu de tudo em matéria de político pilantra em ação – e que serviu de inspiração para o samba.

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Em 1987, a democracia brasileira, longe de ser uma delícia, acordava de um longo e pesado sono de mais de 20 anos de ditadura militar – e já cobrava seus custos. Eram tempos de hiperinflação e dinheiro curto, e o povo se virava como podia. As campanhas ainda não estavam na rua quando um pré-candidato contratou o grupo de capoeira comandado por Meninão para uma apresentação em um ato político.

“Até hoje não recebi o pagamento”, conta o sambista ao Setor 1, 30 anos depois. “E o cara ainda está ativo na política”, completa.

Da desilusão com os políticos nasceu um samba, um dos maiores sucessos de Bezerra da Silva, e que ajudou Walter a “pagar umas prestações”, segundo suas próprias palavras. Não ficou rico, mas pelo menos cobriu o prejuízo causado pela “rasteira de anão” que levou.

A música ainda seria gravada pelo grupo O Rappa em seu primeiro álbum, em 1994, e Marcelo D2, no disco dedicado ao repertório de Bezerra da Silva, de 2010. Walter se orgulha do feito, ainda que a grana que pingou na sua conta também não tenha dado para muito mais que uma “embelezada no barraco”, como diz.

Butina

“Candidato Caô Caô” (originalmente “Candidato coelho”) foi a primeira de Walter gravada por Bezerra. O compositor registrou a música em uma fita cassete e levou ao cantor pernambucano, que gostou na hora, mas só fez um pedido: que mexessem na melodia. A missão foi dada a Pedro Butina, que também assina o samba.

“A música não estava no andamento que o Bezerra gostava, e ele indicou o Butina para acertar a parte melódica”, conta Walter, lembrando o trabalho do compositor e agente do Corpo de Bombeiros, já falecido, um dos mais gravados pelo “embaixador dos morros”, autor de “Saudação às Favelas”.

Pedro Butina – Reprodução/Onde a coruja dorme

Ex-ritmista do Estácio e do Salgueiro, Mestre Walter ganhou o apelido nas rodas de capoeira, que frequenta há 51 anos. “Tinha outro Walter no grupo. Para não confundir, começaram a me chamar de ‘Meninão’, já que eu era mais alto. O mais baixinho virou ‘Menininho’”, lembra o sambista, para quem Bezerra, morto em janeiro de 2005, faz muita falta.

“Continua tudo igual como eu falo na música. Uma pena o Bezerra não estar aí para gravar outras músicas que falem do que acontece”, lamenta.

Veja mais:

A versão gravada por Bezerra da Silva:

Walter Meninão canta “Candidato Caô Caô”, em registro feito por Daniel De Pla

A versão de O Rappa:

A verdão de Marcelo D2:

A letra de “Candidato Caô Caô”:

Ele subiu o morro sem gravata
Dizendo que gostava da raça
Foi lá na tendinha bebeu cachaça
Até bagulho fumou
Jantou no meu barracão e lá usou
Lata de goiabada como prato
Eu logo percebi é mais um candidato
Para a próxima eleição
E lá usou lata de goiabada como prato
Eu logo percebi é mais um candidato
Para a próxima eleição.
Ele fez questão de beber água da chuva
Foi lá no terreiro pedir ajuda
Bateu cabeça no gongá
Mas ele não se deu bem porque
o guia que estava incorporado
Disse esse político é safado cuidado na hora de votar
Também disse meu irmão se liga no que eu vou lhe dizer
Hoje ele pede seu voto amanha manda a polícia lhe bater podes crer
Meu irmão se liga no que eu vou lhe dizer
Hoje ele pede seu voto amanha manda os homens lhe prender

Romulo Tesi

Romulo Tesi Jornalista carioca, criado na Penha, residente em São Paulo desde 2009 e pai da Malu. Nasci meses antes do Bumbum Paticumbum Prugurundum imperiano de Aluisio Machado, Beto Sem Braço e Rosa Magalhães, em um dia de Vasco x Flamengo, num hospital das Cinco Bocas de Olaria, pertinho da Rua Bariri e a uma caminhada do Cacique de Ramos, do outro lado da linha do trem. Por aí virei gente. E aqui é o meu, o nosso espaço para falar de samba e Carnaval.

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