De volta ao Rock in Rio, samba já levou vaia e chuva de latinhas no festival

Reprodução TV Globo

O samba está de volta ao Rock in Rio. Na edição deste ano, a organização programou um espetáculo com grandes nomes do gênero, como Alcione, Martinho da Vila e Monarco, para o Palco Sunset, voltado para experimentações e encontros inusitados. A apresentação, batizada como “Salve o Samba!”, está marcada para esta sexta, 15, no encerramento do primeiro dia de shows no espaço. Hoje aceitado e até cultuado no universo do rock, o batuque já foi vítima de preconceito e da ira dos metaleiros no início da década de 90.

Na segunda edição do festival, no Maracanã, em 1991, o cantor Lobão foi escalado para o mesmo dia 23 de janeiro, de Guns N’ Roses, Queensrÿche, Judas Priest, Megadeth e Sepultura. Diante de milhares de fãs dessas bandas, Lobão pisou no palco para se apresentar. Ou pelo menos tentar.

Diante das vaias, Lobão mandou a banda parar no meio da segunda música, deu um pito no público e saiu de cena.

“Vai tratar mal a p… que te pariu, morô? Vocês vão todos tomar no c…, exceto quem não está tomando no c… Vai tomar no c…, seus babacas”, bradou Lobão antes de deixar o palco, usando palavrões bem comuns no ex-Maior do Mundo.

Lobão no Rock in Rio II, em 1991: vaiado e alvo de latinhas arremessadas, cantor discutiu com o público e deixou o palco após três músicas – Ana Carolina Fernandes/Estadão Conteúdo

E lá foi a bateria da Mangueira, atração preparada para o fim do show do cantor, levar a batucada para os ouvidos dos roqueiros.

Os pouco mais de 40 ritmistas, na época comandados por Mestre Taranta e vestidos com a fantasia do desfile de 1990, entraram no palco conduzidos por Ivo Meirelles e foram logo recebidos com mais vaias e arremessos de copos de plásticos, moedas e todo tipo de objeto. Ao lado da bateria, Meirelles, que mais tarde presidiria a escola, batia palmas, determinado.

“Parecia um paredão de fuzilamento”, lembrou Lobão anos depois, em 2009, em entrevista ao programa O Estranho Mundo de Zé do Caixão, do Canal Brasil.

“Eu pensava que aquilo (bateria da Mangueira) era metal pesado. Os tambores são de metal, então era metal pesado. Eu queria mostrar aquilo, mas não deu tempo”, contou.

Ivo Meirelles – Eduardo Martins/Divulgação

Para Ivo Meirelles, os ritmistas da Velha Manga acabaram vítimas de um ódio direcionado a Lobão.

“Eu entendo aquele episódio como um repúdio ao Lobão, e não ao samba. Qualquer um que entrasse com ele seria atacado. Escalaram o Lobão em uma noite que não era a dele (metal), ele aceitou e foi rechaçado. A bateria da Mangueira entrou numa tentativa de salvar o show, mas o navio já estava naufragado. A gente não aguentou ficar no palco (por causa dos objetos arremessados)”, lembra Meirelles ao Setor 1.

O mangueirense conta que ninguém foi ferido pelas latinhas jogadas no palco. Vale lembrar: 1985, a primeira edição do Rock in Rio já havia registrado cenas semelhantes nos shows de Erasmo Carlos e Ney Matogrosso, entre outros.

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Dez anos depois, na volta do festival em 2001, Meirelles retornou como uma das atrações da Tenda Brasil, quando se apresentou com o seu grupo Funk’n’Lata, sem registros de protestos roqueiros. Em 2011, tocou quase todas noites no Palco Sunset, menos em um dia – justamente a data dedicada ao metal. Escaldado, o então presidente da Mangueira preferiu ir para a escola de samba.

“Eu não queria encarar a intolerância. Não queria pagar pra ver”, conta.

Viradouro e Brown

Em 2001, Axl Rose colocou a bateria da Viradouro no palco Mundo do Rock in Rio. A reação foi em menor intensidade, mas os protestos aconteceram, com o público atirando garrafinhas de plástico no palco. Teve gente que simplesmente deu as costas e foi embora.

No mesmo ano, em uma das cenas mais famosas do festival, Carlinhos Brown foi vítima de uma saraivada de garrafinhas de plástico atiradas pelo público. Na ocasião, o músico levou para o palco uma apresentação em que misturava vários ritmos, tendo o batuque como sua tradicional marca. Brown, escalado para o mesmo dia do Guns N’ Roses (como Lobão em 1991), enfrentou a ira da turma na base do gogó.

“Eles querem rock. Vamos fazer uma improvisação”, declarou o baiano, segurando uma guitarra, para em seguida cantarolar o Hino Nacional. “Pode jogar o que quiser porque eu sou da paz. Nada me atinge”, bradou.

Romulo Tesi

Romulo Tesi Jornalista carioca, criado na Penha, residente em São Paulo desde 2009 e pai da Malu. Nasci meses antes do Bumbum Paticumbum Prugurundum imperiano de Aluisio Machado, Beto Sem Braço e Rosa Magalhães, em um dia de Vasco x Flamengo, num hospital das Cinco Bocas de Olaria, pertinho da Rua Bariri e a uma caminhada do Cacique de Ramos, do outro lado da linha do trem. Por aí virei gente. E aqui é o meu, o nosso espaço para falar de samba e Carnaval.

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