Mangueira imagina volta de Jesus Cristo, combate a intolerância e anuncia: ‘A verdade vos fará livre’

Cristo retratado no desfile da Mangueira de 2017 – Cezar Loureiro/Riotur

E se Jesus Cristo voltasse agora à Terra? O que ele acharia do que encontraria – sobretudo no Brasil? Esse é o ponto de partida do enredo da Estação Primeira de Mangueira no Carnaval 2020, em mais um desfile assinado pelo carnavalesco Leandro Vieira.

A atual campeã, que tentará o bicampeonato, vai imaginar uma cenário em que Jesus retorna e encontra um mundo marcado pela intolerância. E (atenção) levará o título sugestivo de “A verdade vos fará livre”, em que é quase impossível não fazer uma associação imediata com o lema bíblico tornado slogan do presidente da República, Jair Bolsonaro: “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”.

Leandro Vieira, carnavalesco da Mangueira – Foto: Leo Queiroz/Site oficial da Mangueira

“Ele condenaria a hipocrisia dos líderes religiosos e combateria o discurso de ódio. Vamos falar sobre a figura política de Cristo e o que ela pregava: o amor irrestrito, que nos torna livres da intolerância e do preconceito. Essa é a verdade que liberta. Porque não é amor o que faz alguém quebrar um terreiro de candomblé, como fizeram na semana passada [em Duque de Caxias], né?”, declarou Vieira ao jornal O Globo desta quarta-feira, em que a escola anunciou o enredo.

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“Quando Cristo esteve aqui, ficou do lado dos oprimidos e não fez distinção de pessoas. Será que Jesus não está no morador da favela? No menor abandonado? No gay? Na mãe de santo?”, continua o carnavalesco.

A escola pontua, em post nas redes sociais, que o Jesus Cristo mostrado na avenida será “aquele que nasceu pobre, viveu ao lado dos menos favorecidos e condenou o acúmulo de riqueza”. Junto, um vídeo com uma imagem de Jesus crucificado formada por uma montagem com partes de corpos, principalmente de negros e índios. Como trilha, “Todos Estão Surdos”, de Roberto Carlos, não versão de Chico Science & Nação Zumbi. Veja abaixo:

Cristo-Oxalá

A religião e a fé são temas muito presentes na obra de Vieira, que dedicou um desfile, em 2017, ao tema – um ano depois de exaltar a religiosidade de Maria Bethânia.

Em 2017, com “Só com a ajuda do santo”, o carnavalesco levou para a Sapucaí um tripé que tinha, unidos numa mesma escultura, as imagens de Jesus Cristo e Oxalá. A escola terminou em quarto lugar, mas a obra não voltou para o Desfile das Campeãs, por pressão da Arquidiocese do Rio de Janeiro. Meses depois, a escultura podia ser vista em exposição na Cidade do Samba (foto acima).

A escola se apressa para explicar que o tom será respeitoso, e que Jesus não terá sua divindade questionada – pelo contrário. Mas também prevê a reação de religiosos da ala mais conservadora. É o Carnaval, enfim, se comunicando para toda a sociedade, mesmo que incomodando, e não apenas falando para a tribo do samba.

Romulo Tesi

Romulo Tesi Jornalista carioca, criado na Penha, residente em São Paulo desde 2009 e pai da Malu. Nasci meses antes do Bumbum Paticumbum Prugurundum imperiano de Aluisio Machado, Beto Sem Braço e Rosa Magalhães, em um dia de Vasco x Flamengo, num hospital das Cinco Bocas de Olaria, pertinho da Rua Bariri e a uma caminhada do Cacique de Ramos, do outro lado da linha do trem. Por aí virei gente. E aqui é o meu, o nosso espaço para falar de samba e Carnaval.

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