Julia, 33 anos, perdeu horas de estudo na temporada pré-carnavalesca. Toda noite de domingo, a batucada da rua subia oito andares para invadir o apartamento onde mora, nas proximidades da Avenida Amaral Peixoto, em Niterói, para inviabilizar qualquer chance de ela se aprofundar nas suas leituras sobre Medicina Veterinária. No lugar, os insistentes versos:
“Oh, mãe, ensaboa, mãe, ensaboa, pra depois quarar”
Sem a menor ligação com esse universo, Julia descobriu a Viradouro e as escolas de samba por causa dos concorridos ensaios da agremiação, e virou o que a internet chama de “ensaboer” – muito antes de virar modinha e a escola sacudir o Sambódromo com o desfile campeão de 2020.
“Eu não sabia que música era aquela. Não sabia nem que era ao vivo, mas já tinha aprendido a letra. Joguei no Google e descobri que era da Viradouro. Uma noite de domingo eu estava voltando para casa quando vi um ‘furdunço’ na Amaral Peixoto. Aí eu descobri que era um ensaio. Fiquei muito arrepiada ao ver todo mundo cantando. Depois passei a frequentar todos os ensaios. Eu chorava de emoção, e decidi comprar ingressos para ver o desfile no Sambódromo”, diz Julia, narrando como se apaixonou pelo samba da Viradouro e pela escola.
Julia é um caso cada vez mais raro, de gente que se aproxima das agremiações não por causa de um carnavalesco badalado ou enredo, mas pelo samba. E samba de enredo.
“Essa história é linda”, se anima Cláudio Russo, 48 anos, 30 de disputas de samba-enredo, um dos autores da trilha do desfile de 2020 da escola de Niterói. É dele, inclusive, o trecho “ensaboado” que grudou nas “rádios mentais” da tribo do samba, mesmo de quem não gostava dele.
“O ensaboa foi a primeira coisa que nasceu”, conta Russo, que buscou justamente no samba baiano a inspiração para os versos que antecedem o refrão, com frases curtas: “moinho da Bahia queimou, queimou, deixar queimar”, cantarola o compositor, citando música já gravada pelo Fundo de Quintal.
Os versos, até então, não tinham lugar definido na letra. “Sabia que aquilo ia pegar, só não sabia o que seria, se refrão, cabeça…”, revela.
A parte do samba tinha originalmente uma letra diferente da definitiva. No lugar de “pra depois quarar”, o autor usou “pra fazer fuá”, como revela o áudio da primeira versão do “ensaboa”, gravada no celular por Russo e enviada aos parceiros.
“Meu senhor, manda sol pra lavadeira
Trecho do samba da Viradouro em sua primeira versão
Manda sol, lavadeira quer quarar
Oh, mãe! Ensaboa
Mãe, ensaboa
Pra fazer fuá”
Os principais entusiastas do “ensaboa” foram os parceiros Paulo César Feital e Diego Nicolau, como relembra Russo. “Eles disseram logo que aquilo era bom”, diz.
No entanto, a primeira versão do samba, em tom de lamento, foi prontamente reprovada pela dupla de carnavalescos Tarcísio Zanon e Marcus Ferreira. A ideia do enredo era exaltar a luta das ganhadeiras, por isso queriam uma trilha “pra cima”.
A entrega do samba seria numa terça-feira, só que até domingo às 23h a obra não estava pronta. A parceria só tinha conseguido avançar no refrão do meio e parte do principal – além, é claro, do intocável “ensaboa”.
Chovia no Rio de Janeiro, e nenhum dos parceiros cogitou fazer uma reunião naquela noite. O jeito foi terminar o samba pelo Whatsapp, compondo até 4h30 da madrugada de segunda-feira, dia da gravação e véspera da entrega.
Com a obra lançada, aos poucos surgiam relatos nas redes sociais de gente que não gostava do samba, mas não tirava o “ensaboa” da cabeça. Russo estava certo. Na disputa, porém, houve quem fizesse chacota dos versos.
“Virou meme”, relembra Russo, comentando as brincadeiras que a parceria recebia pela internet, com vídeos do antigo baile da espuma, febre nas festas de funk do Rio de Janeiro nos anos 1990. “Eles [das outras parcerias] mandavam aquilo associando o nosso samba ao baile funk”, conta.
A turma do Russo aguentou calada. O samba conquistou a quadra e ganhou a corrida para ser a trilha do desfile da Viradouro que acabaria campeão de 2020. Sem antes, porém, da escola lavar a alma da comunidade com um banho de espuma na quadra às vésperas do Carnaval. E os vídeos da festa – com direito a um empolgado Milton Cunha ensaboado – circularam na web, dessa vez, porém, sem piadinhas.
Na época, o “ensaboa”, fenômeno dentro da bolha, já tinha estourado o suficiente para conquistar corações como o da Julia, até então sem proximidade nenhuma com as escolas de samba.
“Eu aprendi todos os sambas do ano, e descobri que gosto de samba-enredo, da bateria, da música, e não sou tão ligada nas alegorias”, declara ela, que teve o que chama de “experiência redondinha”: foi aos ensaios, viu o desfile na Sapucaí e depois torceu na apuração. E ainda foi campeã.
“Eu fui arrebatada, não tive escolha”, afirma, antes de concluir: “como eu pude passar 33 anos longe das escolas de samba?”
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Excelente colocação. Escola de samba é cultura nascida no nosso estado. Alguns pseudo intelectuais teimam em desmerecer. Mas a tradição resiste.
Sou Beija-flor, mas curto bastante quando uma outra escola vem rasgando a avenida e com um samba desses, como foi a Viradouro.
Me apaixonei de cara pelo samba assim que ganhou na disputa e ouvia todos os dias em casa até o carnaval.
Pelos áudios do YouTube gravados na quadra e dos ensaios de rua, vi que não seria só mais um samba, e sim um samba que iria entrar pra história do carnaval de 2020.
Parabéns compositores !!!!
Parabéns Diretoria !!!!
Parabéns Comunidade !!!!
Parabéns Viradouro !!!!
( Jack Crispim )