Muito antes de estourar a bolha do Carnaval, o samba da Mangueira de 2019 já era conhecido pelo menos por parte dos moradores das redondezas da Praça Santos Dumont, na Gávea, Zona Sul do Rio de Janeiro. Isso graças a uma das mais assíduas frequentadoras do local, que gosta de espalhar a palavra de Manu da Cuíca, Deivid Domênico e parceiros, sobre heróis esquecidos, enquanto varre um dos metros quadrados mais caros do Brasil. Isso desde meados de outubro do ano passado, quando a obra venceu a disputa mangueirense.
“Lá todo mundo sabe que eu amo a Verde e Rosa”, conta Ana Paula Veríssimo de Araújo ao Setor 1. “Alguns até aprenderam o samba”, completa a pedagoga de 48 anos, todos vividos em Mangueira, há mais de cinco trabalhando como gari – sempre cantando. Na última vez que soltou o gogó, porém, a cena foi registrada em vídeo e publicada na Internet, tornando-a mais um sucesso de visualizações nas redes sociais.
“Fiquei doida! Uma amiga me chamou dizendo que eu estava famosa. Não tenho nada dessas coisas de Instagram, não fiquei sabendo. Até que ela me mostrou que o vídeo já tinha mais de 70 mil visualizações. Fiquei surpresa, mas também feliz”, diz Ana Paula, filmada cantando o samba da Mangueira de 2019 justamente horas depois de comemorar o 20º título da escola, na quinta-feira, 7.
A gari correu para a quadra logo depois da confirmação do campeonato na apuração. Passou a noite comemorando e só voltou para casa pouco antes de amanhecer. Tomou um banho e foi para a Gávea trabalhar. Na Praça Santos Dumont, manteve a rotina da limpeza das ruas – um serviço pesado durante o Carnaval – e da cantoria, agora enchendo ainda mais os pulmões para fazer os presentes ouvirem as Marias, Mahins, Marielles, Malês – e Ana Paula.
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“É mais que um samba, é um hino. O meu hino”, gaba-se. “Esse samba é sobre mim também. Eu sou uma das ‘Marias’. Sou resistência. Sou a mulher negra que luta, trabalha e ainda sorri, que no sábado passa batom e vai para a quadra, mas que no domingo coloca a luva, pega a vassoura e deixa a rua limpa”, completa, ciente de que o enredo do carnavalesco Leandro Vieira é também sobre cada mangueirense como ela.
“Minha história”
“Com esse enredo, eu descobri que não conhecia metade da minha história”, diz Ana Paula, que se emociona ao citar o trecho do samba sobre o fim da escravidão: “Não veio do céu nem das mãos de Isabel, a liberdade é um Dragão no mar de Aracati”.
O enredo, conta ela, aumentou o apetite por conhecimento. “Nunca tinha ouvido falar de Luiza Mahin ou sobre malês. Não aprendi isso na escola. Só agora, com quase 50 anos, que conheci. E me deu mais vontade de aprender, de saber quem eu sou, de lutar. Carnaval é cultura”, vibra Ana Paula, cuja família está há cinco gerações na comunidade.
“Minha avó foi uma das primeiras costureiras da Mangueira. Minha mãe foi coordenadora de ala”, diz Ana Paula, que teve dois filhos, um deles passista da escola, e tem uma neta, Alycia. Todos mangueirenses. “E ai deles se não fossem”, diz a gari, ainda sem noção exata da fama.
“Eu só quero cantar”, encerra.
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