O atacante Jô, do Corinthians, acabou envolvido em uma polêmica neste domingo, 20, após jogar contra o Bahia, em partida pelo Brasileirão, usando uma chuteira verde. A cor, a mesma do rival Palmeiras, é proibida no clube. O jogador acabou advertido e multado pela diretoria, e recebeu uma série de críticas de torcedores nas redes sociais. Curiosamente, o veto ao verde também vale para o Carnaval, com a Gaviões da Fiel.
A torcida organizada, em sua versão escola de samba, também proíbe o uso da cor verde – inclusive em seus desfiles no Anhembi.
Não há fantasia, alegoria ou adereço da Gaviões que tenha verde. Mesmo que o enredo “force” a utilização da cor. Mesmo em alguns casos, em que a escola use signos ligados ao meio ambiente, por exemplo, os carnavalescos precisam evitar a cor do rival.
Em 2016, um carro da Gaviões foi decorado com folhas, flores, borboletas e animais – mas nenhum sinal de verde. Com isso, a alegoria parecia estar em outono. As folhas, por exemplo, eram amareladas, com tons de vermelho. Sem prejuízo artístico, como atestam as fotos.
“A aversão dos corintianos a usar verde é anterior à existência da torcida organizada dos Gaviões e está fundamentada na rivalidade clássica com o Palmeiras”, explica o pesquisador Fábio Parra, diretor cultural da Mocidade Alegre.
“As escolas e blocos eram muito fiéis as suas cores. O regulamento impedia que se usasse mais de quatro cores, incluindo as oficiais, mais o branco, o preto, o prata e o ouro”, continua Parra.
O bloco Gaviões, lembra o pesquisador, ajudava a esquentar a pista para as escolas de samba.
“Os blocos especiais desfilavam no domingo à tarde, e o Gaviões, sempre campeão, escolhia pra fechar e já emendava com o desfile do Primeiro Grupo. O desfile do Primeiro Grupo já começava quente, depois do Gaviões, com seu visual sempre lindo, todo em preto, branco, ouro e prata. Às vezes um amarelo que, combinava muito”, diz.
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Sapo prateado
O julgador, afirma Parra, não deve levar em conta a restrição a cores ao atribuir notas aos quesitos visuais das escolas. Segundo ele é preciso inclusive respeitar as “questões identitárias”, contando jurados e carnavalescos.
“Os critérios de julgamento dos quesitos do módulo visual falam muito de leitura, acabamento, mas nunca de verossimilhança. O artista que não compreender essas questões identitárias não estará prestando um serviço à comunidade da escola. Em seu primeiro campeonato, a escola apresentou uma alegoria sobre a lenda do sapo e o príncipe, e lá estava o sapo prateado com detalhes roxos”, ressalta.
Madrinha pode
Mas não é só no desfile que o verde não aparece. A cor também é vetada na quadra da escola, como uma placa no local avisa.
“É expressamente proibido a entrada de verde” alerta o cartaz, para não ficar dúvida.
A única exceção é para o caso da visita da coirmã Camisa Verde e Branco. Os integrantes da escola da Barra Funda, que tem verde no símbolo – um trevo de quatro folhas – e no nome estão liberados para entrar na quadra da Gaviões com usando a cor. Mas só eles, e por um motivo especial: a escola é madrinha da agremiação corintiana.
“O Camisa Verde e Branco era presidido por uma família de corintianos. Quando a Gaviões deixou de ser bloco para se tornar escola de samba em 1988, o Camisa batizou a escola”, explica Parra.
O pesquisador lembra ainda que a Gaviões vira escola por iniciativa do então presidente da Liga-SP, Juarez da Cruz, que era palmeirense.
“O Camisa é verde não por motivos de futebol. ‘Camisas verdes’ era o apelido do Grupo Carnavalesco Barra Funda, gênese da escola, fundado em 1914”, completa Parra, que exalta a força das tradições.
“O amor pelo time é o elemento mais sagrado para um componente da Gaviões. E impor o uso do verde em um botão sequer da roupa é tão ofensivo quanto colocar adereços pretos em Xangô, vermelho em Oxalá ou qualquer cor que não seja o roxo ao cobrir os santos nas igrejas em uma Sexta-feira Santa. O sagrado se vive, não se contesta”, concluiu.
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