A fama de “escola das celebridades” rendeu à Grande Rio mais do que o apelido de “Unidos do Projac” – referência ao complexo de estúdios da TV Globo. No mundo do samba e fora dele, a pecha atraiu a antipatia de muita gente. Para engrossar esse caldo, a própria escola enfileirou enredos de relevância duvidosa – e desfiles idem, a maioria patrocinados. Em 2018, rebaixada, liderou uma virada de mesa e ganhou seu próprio “pague a Série B” versão Carnaval. Pronto, o ranço estava plantado definitivamente.
No entanto, a mesma agremiação que fez “Do Verde de Coari, Vem Meu Gás, Sapucaí!” agora é campeã do Carnaval com um desfile dedicado a Exu, o orixá da comunicação, estigmatizado entre as culturas cristãs, equivocadamente, como diabo. E a notícia é que (quem poderia imaginar?) a vanguarda dos desfiles agora vem de Duque de Caxias.
Antes, porém, é preciso voltar no tempo para explicar como o jet set carioca achou o caminho da Baixada.
Fundada em setembro de 1988, produto da fusão de várias agremiações menores de Caxias, a Grande Rio teve sua primeira ala de artistas em 1990, ano em que estreou na Marquês de Sapucaí, no acesso. O grupo foi formado pelo advogado Sylvio Guerra, que recebeu a incumbência do presidente de honra e amigo de juventude Jayder Soares.
Guerra era conhecido como advogado dos artistas, dada a lista vip de clientes – que incluía o cantor Tim Maia.
Portanto, em seu segundo desfile na história, a escola já tinha vários artistas entre seus desfilantes, que frequentavam a quadra viajando em comboios de ônibus e vans da Zona Sul do Rio para Duque de Caxias. Entre eles estava Suzana Vieira, que passava noites no barracão ajudando a aprontar o desfile.
Nos anos 1990, a Grande Rio apostou em enredos culturais e religiosos, como a umbanda, em 1994 – um dos grandes sambas da escola. Os resultados, porém, não eram grande coisa. Vem os anos 2000, e poucas escolas aproveitaram tão bem a era dos enredos patrocinados. Bem articulada politicamente, a turma de Caxias cresceu e passou a brigar por títulos. Mas passava longe de ser um sucesso de público – isso num universo sem as mesmas cismas do futebol, para ficar em outra paixão nacional. E a escola continuava sem títulos.
Em 2013, a escola chega a fazer da polêmica sobre a divisão dos royalties do petróleo assunto de enredo – um tema caro à cidade, que abriga a Reduc, e à própria agremiação, cujo emblema tem as tubulações de uma refinaria.
“Amo o Rio e vou à luta: Ouro negro sem disputa… Contra a injustiça em defesa do Rio” traduzia em fantasias e alegorias o lobby fluminense contra a perda de arrecadação na partilha das verbas. (Em tempo: a encrenca foi parar no Supremo e só foi resolvida em 2020)
No ano em que homenageou o apresentador Chacrinha, em 2018, um carro empacado na concentração arruinou o desfile e derrubou a escola para o acesso. Ainda na Praça da Apoteose, após a apuração, dirigentes da Grande Rio iniciam uma cantilena de reclamações sobre o resultado. Dias depois a mesa virou: numa salada política que contou com o apoio de nomes como o então presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e o na época prefeito do Rio, Marcelo Crivella, público e notório inimigo das escolas de samba, a Grande Rio escapou da queda.
A manobra motivou a assinatura de um TAC (termo de ajustamento de conduta) entre o Ministério Público do Rio e a Liesa, liga que congrega as agremiações do Grupo Especial, para impedir, com previsão de multa, novas marmeladas. (Por enquanto tem funcionado)
A resposta da Grande Rio foi anunciar um enredo – patrocinado por uma instituição de ensino – sobre educação. Mas com um mote que, no lugar de parecer um pedido de desculpas, soava como uma provocação: “quem nunca errou?”. Pegou mal. E o desfile amargou um incômodo 9º lugar, o pior desde 2004, excetuando o ano da queda não concretizada.
A pancada em quem estava acostumada a sempre desfilar no Sábado das Campeãs foi sentida, e a escola se mexeu.
Para arejar o barracão, a Grande Rio contratou a dupla de carnavalescos revelação da Acadêmicos do Cubango, do acesso, Gabriel Haddad e Leonardo Bora, que levam junto o enredista Vinícius Natal. (Guardem esses nomes)
A guinada é percebida logo no anúncio do enredo: Joãozinho da Gomeia, pai de santo, homossexual, negro e nordestino, uma figura que seria marginal se não tivesse atraído gente famosa e poderosa para seu terreiro em Caxias, numa curiosa semelhança com a própria Grande Rio. A escola passava a olhar para dentro de casa e valorizar mais a própria comunidade.
Deu samba. Não fosse um problema de evolução, a escola teria conquistado seu primeiro título em 2020. Isso porque, entre os pontos fortes da apresentação estava a plástica exuberante da dupla Borahaddad – como são chamados nas redes sociais. Eram os mesmos “meninos” dos tempos de Cubango, só que agora com dinheiro e estrutura para dar a Caxias o sonhado caneco. Mas o que estava guardado para o ano seguinte nem o próprio Carnaval estava pronto.
Em meio à pandemia de Covid-19, a Grande Rio surpreendeu de novo e anunciou o enredo sobre Exu para a folia seguinte – que ninguém fazia ideia de quando aconteceria, nem como.
Quando pôde, enfim, botar o bloco na avenida, a Grande Rio fez o que tem sido aclamado como um dos maiores desfiles do século.
O jornalista Aydano André Motta coloca a apresentação de 2022 na mesma prateleira de “Áfricas”, da Beija-Flor de 2007, e “Histórias para ninar gente grande”, da Mangueira de 2019. No entanto, como Aydano disse em live do também jornalista Leonardo Bruno, “Fala, Majeté! Sete Chaves De Exu” reúne atributos dos dois: a beleza de um e a força do discurso do outro.
Borahaddad e Natal apresentaram um Exu onipresente, desde as origens africanas até suas personas urbanas. A mensagem foi: Exu está nos bate-bolas, na poeta Stela do Patrocínio, nas feiras, nas ruas, terreiros, no lixão de Gramacho, em Estamira e até no Gil do Vigor de frevo. É Seu Sete da Lira, é o povo da rua em movimento. Tudo embalado em dezenas de referências e traduzido de forma pop, de fácil leitura, mas nada óbvio. Sem essencialismos, como lembrou o professor e escritor Luiz Antonio Simas.
Enfim, um desfile completo, que ainda conta com belo samba, executado pela bateria premiada de Mestre Fafá. Tudo isso com os famosos de sempre na pista, é bom lembrar. De certa forma, a Grande Rio começa, aos 30 e poucos anos, a superar a fase de jovem adulta e amadurecer com personalidade própria.
Uma apresentação de excelência que, graças ao título, muda a Grande Rio de patamar, dá uma sacolejada nos artistas da folia e abre caminhos para o próprio Carnaval. Se a dinâmica em que um evento como esse influencia os próximos for mantida, é possível prever que vem mais por aí. É bom para a festa, para quem vive nela, é bom para Caxias.
O ranço com a Grande Rio está prestes a ser confinado à cobrança pelo pagamento da “Série B”. Pelo resto, como se diz no futebol, o “muro tá baixo”.
Romulo Tesi é jornalista
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