Título da Imperatriz encerra jejum de 22 anos e fortalece laço com CPX, alvo de ‘caô’

A rainha Maria Mariá com a coroa-boné CPX – Diego Mendes/Rio Carnaval

Do alto do palco montado na Praça da Apoteose, a presidente da Imperatriz Leopoldinense, Cátia Drumond, soltou dois gritos. Primeiro, anunciou a volta da “campeã”. Depois dedicou o título da escola ao Complexo do Alemão, conjunto de favelas da zona norte do Rio de Janeiro vizinho à agremiação, em Ramos. Assim, a dirigente vocalizava dois enredos, partes da mesma história, que teve como desfecho a Imperatriz de novo no topo do Carnaval. E com o CPX como protagonista.

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Voltemos no tempo. Em 2019, a ex-“Certinha de Ramos” faz tudo errado, desfila cheia de alas comerciais e vai parar no grupo de acesso – isso depois de anos de conquistas e desfiles marcantes. Época em que o Brasil parava para ver e ouvir o que a escola tinha para dizer, tocar e mostrar. Entre os anos 90 e início dos 2000, foram cinco títulos e inúmeras histórias contadas por Rosa Magalhães.

Nos anos seguintes, a escola entrou na fila de títulos e não mais saiu. Ainda perdeu relevância na festa depois da saída da carnavalesca. Mesmo tentando voltar à pauta com personagens populares, mas sem aderência com o samba, como Zezé di Camargo e Luciano, a Imperatriz desbota. Até que veio a queda em 2019.

Carro da Imperatriz de 2023 – Léo Queiroz/Rio Carnaval

No futebol, dizem que os rebaixamentos servem para dar uma sacudida nos times. Nem sempre acontece, mas em Ramos a turma mandou a tristeza embora. Contratou o então carnavalesco campeão do Grupo Especial pela Mangueira, Leandro Vieira, que passou a se dividir entre os dois barracões – que por coincidência eram vizinhos na Cidade do Samba.

Ali o jogo virou. O vascaíno Vieira botou o bloco na rua com uma releitura do enredo campeão de Lamartine Babo, de 1981, e praticamente estabeleceu um marco na escola: dali em diante, aquela deveria ser a Imperatriz. O título foi uma barbada, mas Leandro, depois de colocar Ramos de novo na elite, precisava voltar à Mangueira. E a Imperatriz teve em 2022 um breve reencontro com sua Rosa, que durou somente um Carnaval e rendeu o amargo 10º lugar.

“Fiquei muito decepcionada”, admite a presidente da escola, Cátia Drumond, no primeiro Carnaval sem o pai, o ex-comandante gresilense Luiz Pacheco Drumond, que morreu em julho de 2020. Mais um baque numa fase de rearrumação.

Anúncio da contratação de Leandro Vieira pela Imperatriz – Arte Imperatriz Leopoldinense

“Mas fui pra casa, esfriei a cabeça e decidimos trazer o que há de melhor no Rio de Janeiro”, completa a dirigente, que investiu forte na janela de transferências para contratar cantor, mestre-sala, coreógrafo e carnavalesco – Pitty de Menezes, Raphael Lemos, Marcelo Misailidis e, de volta, Leandro Vieira, respectivamente.

Com essa turma talentosa e dinheiro para gastar, a Imperatriz foi imediatamente alçada ao posto de favorita – o que na grande maioria das vezes é uma baita zica. Não foi o que aconteceu, como prova o desfile da segunda-feira de Carnaval, que pulverizou o jejum de 22 anos anos sem títulos.

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“Complexo, essa é para vocês”, bradou Cátia, na saída da Apoteose, dedicando a conquista ao Alemão. E aí a escola chega ao outro enredo dessa saga.

Rainha do CPX

Em 2022, no meio das eleições presidenciais, a Imperatriz teve a coragem de se posicionar ao lado de Lula, isso na cidade que daria no pleito daquele ano 1,92 milhão de votos a Jair Bolsonaro. Aliás, mais do que se posicionar, a escola fez campanha para o candidato anti-bolsonarista, num ato que serve de plot para ela, agremiação, e o petista na cidade. De quebra, ajudou a criar mais uma peça da iconografia política e cultural do país.

Ritmista da Imperatriz com o boné CPX no ensaio técnico – Maria Zilda Matos/Rio Carnaval

Em 12 de outubro, a pouco mais de duas semanas do segundo turno, Lula visitou o Complexo do Alemão. O petista foi recebido por membros da Imperatriz, posou com uma bandeira da escola e colocou na cabeça um boné com três letras bordadas em caixa alta: CPX.

A abreviação para “complexo” virou, nas hordas bolsonaristas, sinônimo de “cupinxa” – na macabra fantasia da extrema-direita, parceiro de crime -, numa fake news fermentada com racismo e aporofobia. Sem cerimônia, Bolsonaro chamou os moradores da favela de bandidos e contribuiu para tracionar a mentira.

O episódio ajudou a fortalecer os laços entre comunidade e escola, que saiu em defesa do povo do Alemão de forma institucional. E ainda abraçou de vez a campanha de Lula.

Em seguida, inspirou Vieira a criar uma das obras mais representativas do pré-Carnaval de 2023: o boné-coroa da rainha de bateria Maria Mariá – ela própria cria do Complexo -, com o mesmo CPX alvo da cascata bolsonarista gravado em verde e ornado de dourado. Potente e delicado mesmo tempo.

Cátia Drumond, presidente da Imperatriz – Ricardo Almeida/Rio Carnaval

O recado estava dado: não venham com caô pra cima da gente. E adeus, capitão.

“Esse título é para a comunidade”, disse Cátia ao deixar o Sambódromo rumo a Ramos, onde o povo do Complexo esperava para comemorar a conquista, a nona da Imperatriz no Grupo Especial.

Romulo Tesi

Romulo Tesi Jornalista carioca, criado na Penha, residente em São Paulo desde 2009 e pai da Malu. Nasci meses antes do Bumbum Paticumbum Prugurundum imperiano de Aluisio Machado, Beto Sem Braço e Rosa Magalhães, em um dia de Vasco x Flamengo, num hospital das Cinco Bocas de Olaria, pertinho da Rua Bariri e a uma caminhada do Cacique de Ramos, do outro lado da linha do trem. Por aí virei gente. E aqui é o meu, o nosso espaço para falar de samba e Carnaval.

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