Maguila vira enredo de desfile e ganha samba inspirado em música de Bob Dylan; ouça

Maguila ganhou samba-enredo em sua homenagem – Divulgação

O ex-boxeador José Adilson Rodrigues dos Santos, o Maguila, será enredo de escola de samba em 2021. Em ano de Carnaval oficial cancelado, a homenagem será virtual, feita pela escola de samba Me Chama Que Eu Vou, com apresentação pela internet. O desfile é virtual, mas o samba é real. Apaixonado pelo gênero, o ex-peso-pesado terá uma trilha sonora sobre a própria vida cantada e tocada no ritmo da batucada que tanto ama. E uma das referências para o samba vem de fora.

“Para fazer a música, falamos muito sobre como a escreveríamos. Lembrei muito ‘Hurricane’, do Bob Dylan”, disse Thiago de Souza, que compôs a obra com o biógrafo de Maguila, Fernando Tucori, além Alex Mortão e do conhecido sambista Wanderley Monteiro.

A música de Dylan conta a história de Rubin “Hurricane” Carter, boxeador negro norte-americano preso em 1966, condenado à prisão perpétua pelo suposto envolvimento no assassinato de três pessoas em Nova Jersey (EUA). Carter sempre negou as acusações e denunciou o processo que o levou à cadeia, repleto de controvérsias e contaminado pelo o que acreditava ser perseguição racial.

Durante uma visita na prisão, Carter conheceu Dylan, que se convenceu da inocência do boxeador e lançou a música em 1976 (no disco “Desire”). Ao longo de pouco mais de oito minutos, Dylan narra a saga de Hurricane contra as acusações, de a noite do crime até o momento, com o herói da canção ainda preso.

Após anos de campanha, turbinada pelos versos de “Hurricane”, Carter conseguiu a libertação em 1985. Ele morreu em 2014, vítima de câncer na próstata.

“O folk, assim como o samba de enredo, tem essa vocação de contar histórias. E aí fizemos o samba para o Maguila, que, todos sabem, ama samba”, afirma Thiago, que, junto dos parceiros, traduziu em versos a vida do boxeador, desde a juventude em Sergipe até a glória esportiva, passando pelos tempos de luta fora dos ringues.

Maguila chegou em São Paulo em 1972, aos 12 anos, e começou no boxe em 1979. Nesse período, encarou todo tipo de emprego disponível, inclusive o de pedreiro. Foi nessa época que se apaixonou pelo samba.

Menino…
feito outros tantos nasceu José
Cresceu Adilson e seguiu com fé
Buscando seu lugar no mundo
As mãos que construíam tantos lares
Atraíram os olhares
De quem reconheceu no ringue um vencedor

Trecho do samba-enredo sobre Maguila
Maguila ao lado de Wilson Simonal e Benito de Paula (à esq.) no desfile do Vai-Vai, no Anhembi, em 1996 – Paulo Giandalia/Folhapress

“A relação do Maguila com a música é muito maior do que a gente imagina. Ele sempre amou o samba. O Sugar Ray Robinson, que foi baterista, dizia que boxe é ritmo. Sem ritmo você não tem boxe. E a melodia são os golpes. Não dá para dissociar uma coisa da outra, e principalmente no caso do Maguila”, diz Fernando, que está finalizando a biografia do ex-campeão e agora estuda propostas de editoras para lançar o livro.

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O boxe acabou adiando a carreira musical, mas em 2009, finalmente, Maguila lançou o próprio disco, batizado “Vida de Campeão”. No repertório, samba de vários estilos. E de compositores consagrados – Monarco e Nelson Rufino entre eles -, e autores como 1000tinho, Roxinho, Tião Miranda, que tiveram músicas eternizadas por Bezerra da Silva, que Maguila tem como ídolo maior no samba.

“Ele ainda é muito fã do Bezerra [1927 – 2005]. O Maguila adora samba em geral, mas o Bezerra foi aquele que acompanhou toda a carreira. Entrava ano, saía ano, você sabia que ia ter luta do Maguila e disco do Bezerra”, ressalta Fernando.

Thiago e Fernando têm em comum a idolatria por Maguila, para quem torciam desde criança.

Maguila ao lado do ídolo Bezerra da Silva – Acervo pessoal de Adilson Maguila Rodrigues

“Foi muito doido escrever um samba pra um ídolo da infância. A memória afetiva dos momentos com meu avô, ou do tempo que a família se juntava pra assistir junto alguma coisa, vieram com muita força. A TV, com as narrações do Luciano do Valle na Band, era nosso passaporte para o mundo, e aqueles momentos tem cheiro de pipoca, de um certo ufanismo patriótico, completamente diferente dessa babaquice que a gente vê hoje. Era legal torcer para o Maguila porque o cara era muito brasileiro lutando”, defende Thiago.

Atualmente com 62 anos, Maguila vive no Centro Terapêutico Anjos, em Itu, no interior de São Paulo. Lá, é assistido por uma equipe de enfermeiros que o ajudam a enfrentar um adversário implacável: a encefalopatia traumática crônica, doença que acometeu também outro campeão de boxe brasileiro, Éder Jofre.

Quando, onde e como

O desfile está previsto para setembro, e será transmitido pelo site da liga Carnaval Virtual. Nas apresentações, as escolas exibem os desenhos de alegorias e fantasias, como as de alas e casais de mestre-sala e porta-bandeira, por exemplo, tudo baseado em um enredo.

Os sambas podem ser inéditos, como o caso da obra feita para Maguila, ou regravações, desde que falem sobre o enredo e não tenham sido usados em desfiles reais. Por exemplo: um samba eliminado na disputa da Portela pode ser utilizado no desfile virtual, mas precisa ser regravado.

Após os desfiles, as escolas são julgadas nos seguintes quesitos: Conjunto, Samba-Enredo, Fantasias, Enredo e Alegorias e Adereços.

Ouça o samba e confira a letra:

Menino…
feito outros tantos nasceu José
Cresceu Adilson e seguiu com fé
Buscando seu lugar no mundo
As mãos que construíam tantos lares
Atraíram os olhares
De quem reconheceu no ringue um vencedor
E a cada vez que o gongo
Despertava a emoção
Nas luvas ele erguia uma nação

Quando o amor verdadeiro
veio à tona
Sentiu a força da paixão por Irani
Seu coração beijou a lona
Sem contagem pra seguir

Guardou… no cinturão as cicatrizes
Sem esquecer suas raízes
E a humildade do grande campeão
Vida de luta, raça e vitória
Coroaram guerreiro
Para sempre na memória
De todo brasileiro

Obrigado, Maguila
Um abraço, de novo
“Me chama que eu vou”
Nos braços do povo

Um abraço, Maguila
Obrigado, de novo
“Me chama que eu vou”
Nos braços do povo

Romulo Tesi

Romulo Tesi Jornalista carioca, criado na Penha, residente em São Paulo desde 2009 e pai da Malu. Nasci meses antes do Bumbum Paticumbum Prugurundum imperiano de Aluisio Machado, Beto Sem Braço e Rosa Magalhães, em um dia de Vasco x Flamengo, num hospital das Cinco Bocas de Olaria, pertinho da Rua Bariri e a uma caminhada do Cacique de Ramos, do outro lado da linha do trem. Por aí virei gente. E aqui é o meu, o nosso espaço para falar de samba e Carnaval.

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