Porta-bandeira volta a dançar após acidente grave e reencontra mestre-sala enfermeiro que atuou contra Covid-19

Alex Marcelino e Raphaela Caboclo na São Clemente em 2023, no amanhecer da Sapucaí – João Gabriel/Riotur

Entre os muitos casos de superação no Carnaval, o de Raphaela Caboclo está longe dos clichês. Porta-bandeira da São Clemente, Raphaela voltou a dançar empunhando o pavilhão de uma escola de samba nesta sexta-feira (17), na apresentação que encerrou o primeiro dia de desfiles da Série Ouro, na Marquês de Sapucaí, após três anos longe do posto. Um afastamento que tem como enredo um grave acidente de carro, seguido de um desfile traumático e uma demissão do posto de porta-bandeira – junto do mestre-sala Alex Marcelino. Os dois, enfim, se voltaram juntos agora na agremiação de Botafogo.

Veja a ordem dos desfiles da Série Ouro

“É um Carnaval de reencontros”, disse Raphaela ao Setor 1, enquanto se preparava para o desfile.

“Reencontro com minha arte, com meu parceiro de longa data [Alex Marcelino] e com o Lucas Maciel [coreógrafo]. Fui muito bem recebida na São Clemente. é uma escola que abraça. Eu estou muito feliz, muito feliz”, completou a porta-bandeira, com ênfase, abrindo um largo sorriso.

A alegria pelo retorno ao posto de porta-bandeira contrasta com as fotos do rosto ferido pelo acidente, que aconteceu a duas semanas do desfile pela Unidos da Tijuca em 2020.

Acordou no hospital

Na época, conforme narrou em um post no Instagram, Raphaela estava saindo da Lapa, na região central do Rio de Janeiro, e pediu um carro por aplicativo. Em seguida aconteceu o acidente, que ela não lembrava como havia ocorrido. O motorista, contou ela, estava embriagado.

Veja a ordem dos desfiles do Grupo Especial do Rio

“Chamei um carro no app na Lapa e só lembro de ser acordada por uma enfermeira na maca do [hospital] Salgado Filho perguntando meu nome e contando que eu havia sofrido um sério acidente de carro porque o motorista estava bêbado. Foram quase 22h deitada naquela maca sem poder abrir os olhos porque conseguia sentir os cacos de vidro”, narrou Raphaela, em publicação feita somente após o desfile.

“Foi uma pancada. Sofri o acidente, veio a pandemia… Comecei a fazer terapia e fiz mais fisioterapia”, conta.

A escola pediu silêncio sobre o acidente, enquanto Raphaela tentava se recuperar a tempo para o Carnaval. A porta-bandeira sofreu paralisia facial e torção e lesão do tendão do joelho, o que a fez passar por sessões de fisioterapia. Raphaela também foi submetida a tratamento com cirurgião plástico. E no dia marcado lá estava ela para desfilar pela Tijuca.

Mestre-sala contra o vírus

O Carnaval passou, e Raphaela e Alex foram demitidos pela escola tijucana. Veio então a pandemia de Covid-19, que cancelou o Carnaval de 2021 e atingiu em cheio a vida do mestre-sala.

Enfermeiro, Alex se afastou de vez do samba para integrar o front do combate ao vírus trabalhando no sistema público de saúde.

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“Eu participei da guerra contra a Covid. Trabalhei no [Hospital Municipal] Ronaldo Gazzolla, especializado em Covid, e em mais dois. Estava na linha de frente mesmo”, lembra Alex.

“Foi um momento em que a gente não podia pensar em Carnaval. A gente tinha que pensar primeiro nas vidas, inclusive nas vidas que fazem o Carnaval”, completou.

A pandemia perdeu força, e os desfiles voltaram em abril de 2022. Raphaela retornou à avenida, mas na comissão de frente do Império da Tijuca – quando trabalhou com o coreógrafo Lucas Maciel.

Raphaela Caboclo na comissão de frente do Império da Tijuca de 2022 – Pedro Ivo/Riotur

A apresentação sobre a escola de samba Quilombo (criada por Candeia), ao lado do passista Pedro Gaspar, arrancou lágrimas de alguns apaixonados pelo Carnaval. Nela, Raphaela exibia o pavilhão original da agremiação homenageada, no que acabaria sendo um ensaio para o retorno ao posto de porta-bandeira.

Dançando nas nuvens

Logo depois veio o convite da São Clemente, e a chance do reencontro com Alex, com quem já havia dançado também no Império Serrano. O mestre-sala, aliás, nem desfilou em 2022. “Foi difícil ver tudo da frisa”, lembra.

Na madrugada de sábado de Carnaval, Raphaela aguardava a hora de se aprontar e seguir para a avenida quase sem acreditar que estava de volta.

“Eu estou em êxtase, sonhando, pisando em nuvens. Eu olho e ainda não acredito no que está acontecendo”, disse, sem cobrir as marcas do acidente de 2020.

“Estar com quem quer ver nosso bem, quem está com comigo também nos dias mais difíceis. Isso que aprendi de 2020: saber com quem contar e me cuidar”, concluiu.

Alex Marcelino e Raphaela Caboclo na São Clemente em 2023 – João Gabriel/Riotur

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Romulo Tesi

Romulo Tesi Jornalista carioca, criado na Penha, residente em São Paulo desde 2009 e pai da Malu. Nasci meses antes do Bumbum Paticumbum Prugurundum imperiano de Aluisio Machado, Beto Sem Braço e Rosa Magalhães, em um dia de Vasco x Flamengo, num hospital das Cinco Bocas de Olaria, pertinho da Rua Bariri e a uma caminhada do Cacique de Ramos, do outro lado da linha do trem. Por aí virei gente. E aqui é o meu, o nosso espaço para falar de samba e Carnaval.

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