Na busca de dinheiro, há escolas de samba do Rio de Janeiro buscando inspiração no futebol. Duas delas, com torcidas numerosas – e apaixonadas -, preparam campanhas de programas de sócio torcedor para estreitar a relação com suas torcidas e, na base da paixão, aliviarem a pressão da falta de recursos após os seguidos cortes de verba promovidos pela prefeitura. São os casos de Portela e Salgueiro. E o exemplo vem dos vascaínos.
No fim de novembro, logo após o Flamengo conquistar a Copa Libertadores, os torcedores do Vasco iniciaram uma campanha na internet para que os vascaínos se associassem. O cenário de rivalidade já estava montado, mas uma promoção de “black friday”, com planos a partir de R$ 4, foi decisiva para que o clube saísse de 33 mil para 184 mil sócios torcedores em cerca de 20 dias. A mobilização da torcida chamou atenção de escolas de samba.
“Entendemos que a reaproximação do Vasco com os vascaínos, mesmo diante de um cenário de dificuldade, mostra que a torcida não abandona o clube. E a nossa torcida nunca nos deixou, mesmo nos piores momentos”, diz Vinícius Ximenes, do marketing da Portela, um dos responsáveis por pilotar o programa de sócio torcedor da agremiação, lançado em agosto de 2015.
A Portela disponibiliza três planos pagos do Sócio Majestade do Samba (saiba mais aqui), com diferentes benefícios e recompensas, que pode incluir a experiência de desfilar pela escola e garantem até acesso às concorridas feijoadas.
Atualmente, são cerca de 2.500 sócios torcedores portelenses, base que, assim espera a agremiação, deve crescer nos próximos dias com uma campanha maciça. Em jogo, o próprio desfile de 2020. A experiência mostra que o recurso do programa costuma ser importante.
“Em 2017 [ano do título], pagamos toda mão-de-obra de barracão nos últimos meses de trabalho com dinheiro do sócio torcedor”, conta Paulo Renato Vaz, do marketing portelense, um dos líderes do movimento que vem transformando a escola desde 2013.
Sonho
“É necessário aproveitar esse movimento de alto engajamento da nossa torcida, entender o momento que o Carnaval passa, com essa gestão da prefeitura, com o corte de verbas. As escolas estão tendo que buscar novas receitas. Portela tem feito isso cada vez mais, e o sócio torcedor propicia isso”, avalia Ximenes..
A meta agora é tentar chegar a cinco mil sócios. “A partir daí, quem sabe, chegar a 10 mil. Estão deixando a gente sonhar”, brinca Ximenes, usando uma frase típica do universo boleiro,
Caso aconteça, o salto pode representar a independência financeira da escola, que passaria a depender bem menos do humor dos dirigentes do poder público. O presidente do Conselho Fiscal da escola, Vanderson Silveira, afirma que 23% das despesas da Portela são cobertas por receitas próprias. A meta é chegar a 30% até 2022. E o programa de sócio torcedor pode ser importante nesse processo. Mas a Portela já pensa além dos recursos diretos do projeto.
Para Ximenes, o número de sócios deve ajudar a valorizar a marca da escola para futuras parcerias. “Não há preço que pague o engajamento da torcida. É bom para relacionamento com outras marcas e futuras parcerias. Você mostra que sua marca tem força”, projeta.
“É um valor acessível, eu contribuo para a escola que eu torço e me sinto ajudando a construir o Carnaval dela”, explica o portelense Pedro Pimenta, sócio torcedor desde 2017 e que mora no Catumbi, relativamente longe da quadra em Oswaldo Cruz, na Zona Norte, e não frequenta a agremiação com tanta frequência. “Eu tenho mais benefícios como sócio da Portela do que como do Botafogo”, declara.
Poucas escolas
O Setor 1 consultou todas as 13 escolas do Grupo Especial do Rio. Além da Portela, somente o Salgueiro mantém programa de sócio torcedor funcionando de alguma forma, ainda assim passando por uma reformulação. A ideia é relançar o projeto com mais benefícios e recompensas, ponto fraco do programa antigo, segundo avaliação da escola.
A escola realizou uma pesquisa no mercado de sócio torcedor para conhecer o que vem dando certo para aplicar no Salgueiro, com as devidas adaptações.
“A gente vai buscar o que tem andado bem no meio do futebol e adequar à realidade do Carnaval”, explica Julio Afonso, da Fan Pass, empresa parceira do Salgueiro na empreitada.
“O sócio terá uma gama de serviços e plano de pontuação, um rating: quanto mais o sócio participa, ele ganha bônus para fazer trocas com parceiros. Será como um clube de benefícios. Ele terá desde o acesso à escola até a experiencia na avenida”, antecipa Afonso sobre o programa, que terá três planos oferecidos.
Menos dependência
Como na Portela, a meta é depender cada vez menos do recurso público.
“O primeiro ponto para cativar o torcedor é a ajuda à escola, após o corte da subvenção da prefeitura, além da dificuldade de conseguir patrocínio. 100% desses recursos vão para o Carnaval. Os programas vão incluir visitas guiadas ao barracão, para o salgueirense ver o que está sendo feito. Ele vai fazer parte disso”, afirma Afonso.
A contribuição para um grande desfile – e um eventual título – é o que especialistas chamam de recompensa intangível de programas como o de sócio torcedor. “É quando o torcedor quer participar de algo que faz parte da sua identidade”, afirma André Monnerat, da Feng, empresa parceria da Portela e do Vasco, entre outros clientes.
O contrato com os clientes prevê participação em um percentual da receita. “A empresa entra como co-piloto, aportando tecnologia e consultoria para desenhar o melhor produto. As decisões são das escolas e clubes”, explica.
Para o executivo, a grande dificuldade das escolas de samba é “construir o discurso” de que, ao se associar, os torcedores estão ajudando na realização do desfile. “A grande ‘virada de chave’ é você convencer essas pessoas que colaborar é virar sócio. Às vezes é uma questão de comunicação. As escolas precisam saber usar os canais que elas têm pra conseguir divulgar mais e melhor a mensagem do programa. A Portela conseguiu”, diz sobre a parceira.
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