Categorias: Opinião

Sérgio Reis não pode se tornar outro Simonal, por Bruno Filippo

Sérgio Reis – Reprodução/Instagram

Bruno Filippo*

Bufão, o cantor Sertanejo e ex-deputado federal Sérgio Reis gravou áudio em que planejava um “ultimato” ao Senado, para que os onze ministros do STF fossem destituídos, sob a ameaça de parar o país com greve de caminhoneiros. O timbre da voz e os trejeitos de falar de quem acreditava na valentia do que propagava acovardaram-se quando, dias depois, tornou-se investigado por crimes contra a democracia. Adoentou-se, internou-se em hospital, viu seus colegas rejeitarem a participação, antes certa, em seu novo disco.

Não foi a primeira vez, decerto não será a última, que artistas desfazem amizades ou são postos no limbo por motivos políticos. No início deste ano, o conjunto vocal Boca Livre – dos mais importantes no Brasil das últimas décadas do século XX – depois de quarenta anos de estrada, chegou ao fim porque um de seus integrantes recusara-se a tomar vacina. O recuo no tempo da indelicadeza passa pela história mais intolerante da música popular brasileira – a que liquidou a carreira de Wilson Simonal (1938-2000). Acusado de colaborar com o regime civil-militar no início dos anos 1970, o cantor que arrebatava multidões caiu em desgraça e nunca mais recuperou o prestígio de que desfrutara. Seu suposto colaboracionismo nunca foi comprovado. (Sobre sua história, vale a pena assistir ao documentário “Simonal – Ninguém sabe o Duro que Eu Dei”, lançado em 2009)

A discussão sobre liberdade de expressão em sociedades democráticas contemporâneas é complexa, mas não pode tornar-se hermética, esotérica, posto que necessita de parâmetros objetivos. O filósofo vienense Karl Popper (1902-1994), em sua consagrada “A sociedade aberta e seus inimigos” – obra muito citada por Paulo Guedes quando ele escrevia na grande imprensa brasileira -, estabelece um conceito muito famoso, mas que parece esquecido: o do paradoxo da tolerância. Em síntese, significa que a tolerância aos valores civilizatórios, como a liberdade de pensamento e expressão e a democracia representativa, esbarra em um limite – a possibilidade de extinção desses próprios valores. O indivíduo não pode utilizar-se de mecanismos de que ele, em verdade, quer ver destruídos; o cidadão não pode, exercendo sua cidadania, querer extingui-la ou limitá-la. Sem freios, a tolerância sucumbe à intolerância. Popper era um crítico a todo tipo de governo autoritário ou totalitário.

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Sérgio Reis cometeu crime – e está pagando na Justiça por isso. À semelhança de Simonal, o cantor sertanejo corre risco de desterro, este que leva à famosa e deletéria “cultura do cancelamento”, embora o fluxo centrífugo das redes sociais possa o amenizar. Aos 81 anos, Reis tem uma carreira consolidada; e sua obra, como ocorre a qualquer artista, tem de ser separada de suas posições políticas. Ignorar essas duas dimensões – o indivíduo e sua obra – é pôr a visão ideológica como critério de legitimação artística. É também uma demonstração de intolerância, pois supõe o condicionamento da arte a correntes políticas e partidárias – o que igualmente questiona a liberdade artística, um dos legados da civilização humana, sem a qual não existe sociedade livre.

*Bruno Filippo é jornalista e sociólogo.

Este texto não reflete necessariamente a opinião do Setor 1.

Romulo Tesi

Romulo Tesi Jornalista carioca, criado na Penha, residente em São Paulo desde 2009 e pai da Malu. Nasci meses antes do Bumbum Paticumbum Prugurundum imperiano de Aluisio Machado, Beto Sem Braço e Rosa Magalhães, em um dia de Vasco x Flamengo, num hospital das Cinco Bocas de Olaria, pertinho da Rua Bariri e a uma caminhada do Cacique de Ramos, do outro lado da linha do trem. Por aí virei gente. E aqui é o meu, o nosso espaço para falar de samba e Carnaval.

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