Por Bruno Filippo*
Os festejos carnavalescos foram cancelados devido à pandemia do novo coronavírus; mas o carnaval, como data do calendário ocidental há um milênio, está a salvo, tanto que uma das dúvidas do momento é se haverá feriado, ponto facultativo ou dia normal. Já que os foliões terão de brincar em casa, com a opção de rever desfiles antigos, ao que se acrescenta o momento histórico singular, um mergulho na história é mais do que necessário.
O cristianismo adaptou as festas pagãs que permaneceram na Idade Média à sua teologia. Assim, para citar os eventos mais conhecidos, os festejos do Solstício de Verão deram origem ao Natal; os do Solstício de Inverno, à festa de São João Batista, o anunciador de Cristo; e os do Equinócio da Primavera, à Páscoa. (Solstício é o momento em que o sol atinge maior afastamento em relação ao Equador; equinócio é o momento em que o sol corta o Equador, tornando os dias iguais às noites. As estações do ano referem-se ao Hemisfério Norte)
A Páscoa, data em que se lembra a Ressurreição de Cristo, é a mais importante do calendário cristão, e não o Natal. Mas é também a Páscoa que vai dar origem à data do carnaval, por mais estranho que pareça hoje. No ano de 604, o papa Gregório I determinou que os fiéis deveriam, numa época do ano, abdicar da vida cotidiana, para dedicar-se exclusivamente às questões espirituais.
O período de jejum e abstinência seria de quarenta dias, para lembrar as provações passadas por Jesus no deserto. Daí o termo Quaresma. Em 1091, o Sínodo de Benevento – reunião dos representantes da Igreja – estabeleceu uma data oficial para a Quaresma. Começaria antes do Domingo de Páscoa, e o primeiro dia receberia o nome de Quarta-Feira de Cinzas, porque havia o costume de marcar a testa dos fiéis com uma cruz feita com cinzas de fogueira, em sinal de penitência.
Tornou-se hábito festejar, com abundância de alimentos e divertimentos mundanos, o período imediatamente anterior ao início da Quaresma. Era o carnaval. “O carnaval é uma forma autorizada e institucionalizada de celebração – área dos impulsos em que a sociedade arcaica preservava a memória dos primitivos cultos mágicos e das celebrações dionisíacas”, escreveu o filósofo José Guilherme Merquior no livro Saudades do carnaval – Introdução à crise da cultura, tão brilhante e importante quanto esquecido.
Como saber, então, sua data no calendário? É preciso saber, antes, a data da Páscoa. Como se viu, a Páscoa está ligada ao fenômeno do Equinócio da Primavera (ou do outono, no Hemisfério Sul), que acontece no dia 21 ou 22 de março. Com base nessa data, vê-se quando será a próxima lua cheia. O primeiro domingo após a lua cheia será o Domingo de Páscoa. O domingo de carnaval será sete domingos antes da Páscoa.
Carnaval x Carnavalização
Aqui, é necessária a distinção entre carnaval e carnavalização. Como foi dito, carnaval é uma data, com marcos balizados pelo calendário lunar e pelo calendário cristão. Qualquer festa ou evento que se pareça com o carnaval, mas que aconteça fora da data, é carnavalização, não carnaval. (Sob critério histórico rígido, é errada, portanto, a expressão usual “carnaval fora de época”, não obstante ser de uso recorrente e de fácil entendimento) As festas pagãs não eram carnaval, e sim carnavalização, porque o carnaval não havia sido estabelecido. Não há dois carnavais. Sempre será um só, uma vez por ano – ainda que brinquemos à sua maneira quantas vezes quisermos.
*Bruno Filippo – Jornalista, sociólogo, comentarista da Bandnews FM. Autor, entre outros, de “Por quem as rosas falam – E outros ensaios sobre samba e carnaval”.
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