Mulher espera 35 anos para cumprir promessa na Portela e garçom não desfila por causa do Carnaval: fãs de Clara Nunes contam histórias de devoção

Dina exibe brinco com a foto de Clara Nunes – Romulo Tesi

Quando Clara Nunes morreu, em 2 de abril de 1983, a fã Livaldina deveria passar a frequentar e desfilar pela Portela com a mesma assiduidade com que vivia sua escola do coração, o vizinho Império Serrano. Pelo menos era assim que familiares e amigos esperavam, dada a sua devoção pela cantora mineira. Mas não foi bem isso que aconteceu.

“Eu prometi que só entraria ou desfilar pela Portela quando a escola fizesse um enredo sobre Clara”, conta Dina, como é chamada pelos mais próximos, antes de se apressar para completar: “mas só dela”. Uma parte da promessa chegou ao fim no dia 1 de setembro de 2018, quando voltou a entrar na quadra da escola. A outra se encerra nesta segunda-feira de Carnaval, quando ela cruzar a Passarela do Samba com a Portela, que finalmente fez um enredo dedicado o bastante a Clara Nunes, de acordo com a escala de Dina.

“Em 1984, falaram um pouco dela. Depois mais um pouco. Mas nunca foi uma homenagem só para ela, como agora”, justifica Dina, 60 anos, fã de Clara desde os 11.

Clara Nunes – Reprodução

Uma das mais ativas integrantes de grupos de amantes da cantora, responsável por recolher doações para a creche feita em homenagem a Clara, Dina gosta de narrar, com riqueza de detalhes e uma dose de dramaticidade, as passagens que a tornaram uma “devota” da portelense. Como quando soube da morte da mineira durante uma madrugada, quando morava em São Paulo.

“Fui para a casa da minha irmã de noite e ficamos conversando sobre a Clara, que estava internada (por complicações causadas por uma cirurgia de varizes). Eu acabei adormecendo. Acordei com o barulho de alguém mexendo na porta. Levantei, mas não vi ninguém. Em seguida minha irmã avisou que a Clara tinha morrido. Eu não dormi mais e já fui me aprontar para ir à Portela. Eram 4 horas da manhã”, narra.

“Toquei o rosto dela”

Dina viajou ao Rio de Janeiro para se despedir do ídolo na quadra da escola de samba, em Madureira. Chegando ao local, se deparou com uma fila que dava volta no quarteirão, mas encarou – duas vezes.

“Consegui tocar o rosto dela [Clara], mas foi muito rápido. Então decidi voltar para a fila e entrar de novo no velório”, lembra. Dina depois encarou uma viagem no colo de uma mulher, em uma lotação – tipo de transporte informal com carros de passeios -, para chegar ao cemitério São João Batista antes do cortejo com o esquife da cantora numa viatura do Corpo de Bombeiros. “Deu certo”, gaba-se.

Dias antes, Dina já havia feito uma música em homenagem à cantora.

“Eu estava assistindo a uma reportagem sobre a Clara no Fantástico [na época em que estava internada], e a letra veio.

“Clara, o povo te aclama, levanta desta cama, e vem ao povo dizer ‘estou bem’. Volta pra casa, meu povo, amanhã é um dia novo, e verão que está tudo bem. É apenas um sonho, e eu lhes proponho irem para casa descansar. Amanha é um outro dia, e deste pesadelo vocês irão despertar. Volta pra casa, meu povo, não podemos prever o que está por vir. Vou lhes dizer que a vida é bela, quero vocês na Portela, amanhã para me aplaudir”, recita apenas, já que a letra, escrita em 18 de março de 1983, até hoje não ganhou uma melodia.

Fora do desfile

José Carlos na Portela – Romulo Tesi

Já José Carlos terá que esperar um pouco mais para ter seu reencontro com Clara na avenida.

O garçom portelense terá que trabalhar em todos os dias de Carnaval – inclusive nesta segunda. Sem chance, portanto, de desfilar na Sapucaí em homenagem à cantora.

“Mas em 2020 eu vou tirar férias no Carnaval”, anunciou José Carlos, que se orgulha de ter convivido com a cantora.

“Eu vi Clara”, diz, como quem tem uma epifania. “Lembro dela linda, de tranças, sempre uma pessoa iluminada, que vivia no meio do povo”, exalta José, que, ainda criança, viveu momentos com a mineira na casa do avô, em Bento Ribeiro.

“Ele era portelense, e ela frequentava a casa dele”, conta o fã, sobre os encontros cheios de samba, papo e boa comida.

Para não ficar sem ver a Portela homenagear Clara, José comprou ingresso para o Sábado das Campeãs. Agora só precisa torcer para a escola ficar entre as seis melhores – de preferência em primeiro.

Romulo Tesi

Romulo Tesi Jornalista carioca, criado na Penha, residente em São Paulo desde 2009 e pai da Malu. Nasci meses antes do Bumbum Paticumbum Prugurundum imperiano de Aluisio Machado, Beto Sem Braço e Rosa Magalhães, em um dia de Vasco x Flamengo, num hospital das Cinco Bocas de Olaria, pertinho da Rua Bariri e a uma caminhada do Cacique de Ramos, do outro lado da linha do trem. Por aí virei gente. E aqui é o meu, o nosso espaço para falar de samba e Carnaval.

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