Tuiuti: Após sucesso e ameaças, Jack Vasconcelos usa eleição de bode para falar de política

Jack Vasconcelos, carnavalesco do Paraíso do Tuiuti – Foto: Eduardo Hollanda/Divulgação

Até o Carnaval de 2018, muitos conhecidos de Jack Vasconcelos não sabiam que ele era carnavalesco. E a “estreia” se deu logo com um inesperado vice-campeonato, com um enredo sobre escravidão, crítica social e uma galhofa – não assumida – tendo como alvo o então presidente da República Michel Temer. Em seguida houve a adoção do Paraíso do Tuiuti como a escola preferida dos esquerdistas, e Jack acabaria sendo vítima de ameaças na internet. Só não houve convite para ingressar na política.

“Não tenho vocação para isso”, disse, aos risos, o carnavalesco ao Setor 1.

Em 2019, Jack levará para a Sapucaí um novo desfile questionador, sobre um bode eleito vereador em Fortaleza (CE) nos anos 1920. O bicho, um retirante, virou instrumento de protesto da população contra os políticos da época – um “Salvador da Pátria”, como foi batizado o enredo.

Quase um século depois, o bicho serve de protagonista para o desfile que pretende falar sobre a forma como o brasileiro vota. Isso meses depois de um dos processos eleitorais mais turbulentos da história do Brasil, com ecos até agora.

“Esse descabelamento das pessoas nesses assuntos me alimentou, me deixou com a sensação de estar desenhando para Sucupira. Há um realismo fantástico que ainda está passando (risos). Isso é muito carnavalesco”, declara o carnavalesco, cuja sinopse permite comparações entre o bode e o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva.

O resultado final será conhecido na segunda-feira de Carnaval, dia 4 de março.

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Bode Ioiô exposto no Museu do Ceará – Divulgação/Secult/Felipe Abud

Leia a entrevista na íntegra:

O que mudou para você depois do sucesso do desfile de 2018?
Muita gente descobriu que eu faço Carnaval (risos). Para o espanto das pessoas, descobriram que trabalho com Carnaval há mais de 15 anos, que o Tuiuti já tinha passado pelo Grupo Especial, que tem história… A repercussão do desfile deu uma dividida entre antes e depois na história da escola e na minha.

Você chegou a ser convidado para se filiar a algum partido, a se candidatar?
Não (risos). Não tenho vocação pra isso…

Sabe se algum filho do Bolsonaro te bloqueou?
Talvez (risos) Eu recebi muitas mensagem de ódio. Tive que deixar meus perfis (nas redes sociais) privados. Foi bem punk, mas quem é agressivo acaba sobressaindo no meio de tantas mensagens bacanas, que foram muito em número muito maior. Ainda assim foi bem chato, bem chocante.

Que tipo de ameaças você recebeu?
Que eu tinha que ter cuidado ao sair na rua, xingamentos contra minha família… É muito ruim lembrar disso, mas por outro lado não gosto de colocar na gaveta, tem que lembrar, sim.

Isso influenciou seu trabalho atual?
Não no sentido de resposta, de retrucar. Eu costumo separar bem as coisas na hora de escolher o caminho de um produto que vou trabalhar. Não posso pensar na quentura do momento, porque é trabalho feito durante meses. O que está em voga hoje pode não estar quando o desfile vai para a rua. Se eu fizesse um enredo de cabeça quente em reposta de tudo de negativo que sofri, ficaria datado.

‘Temer vampiro’ da Tuiuti – Foto: Wilton Junior/Estadão Conteúdo

Como você chegou ao enredo do bode Ioiô?
O bode foi apresentado a mim por um grande amigo, o jornalista, João Gustavo Mello, que é cearense. Quando eu estava fazendo o boi mansinho (enredo do desfile campeão da Série A em 2016), ele falou do bode. Nessa época, tudo que era referente a bicho estavam me mandando (risos). O Gustavo me mandou um texto de uma pesquisa que tinha feito, achei fantástico. Já se discutia eleições (de 2018), sabia que o assunto ia ficar quente, e acabou fervendo. Essa cosia de eleger um animal é algo sedutor demais muito para fazer brincadeiras carnavalescas. Queria muito tenta recriar o caminho que o bode teria feito. Fui a Fortaleza porque queria muito ver a cor desse lugar, e o Gustavo fez a gentileza de me ciceronear e junto com o historiador Rui Simões Filho. E tive uma ajuda muito carinhosa e prestativa da Carla Vieira, diretora do Museu do Ceará, que abriu o museu para eu conhecer o Ioiô, me deu uma aula de Fortaleza antiga. Com certeza meu enredo seria diferente se não tivesse conversado com a Carla.

Esse enredo parece fugir do Nordeste “clássico”, árido, normalmente mostrado no cinema ou mesmo no Carnaval. É isso?
Nosso enredo é muito urbano. Começa no sertão, porque o bode apareceu em Fortaleza no movimento dos retirantes de 1915. Não se sabe de qual parte ele veio, então a gente tem esse sertão imaginado. Mas não é um enredo turístico, não é um “visite o Ceará”. A gente fala da cultura local, mas como pano de fundo para o bode Ioiô. Procurei fugir do estereotipo de apresentação desses temas.

O curioso é que li alguns textos que trata o bode e o episódio da eleição como lendas urbanas.
Sobre as eleições, há controvérsias (risos). Conta-se muito sobre a votação, mas há uma dificuldade muito grande em se provar a eleição do bode, porque quase não há documentos da época que falem disso. Nos jornais não há nada que se diga sobre a eleição, mas só existe um veículo guardado. Difícil dizer que tentaram abafar e sumiram. É possível, mas não se pode afirmar. Como o povo aumenta, mas não inventa, alguma coisa houve nesse balaio.

O fato de ter essa lacuna é melhor para você como artista?
É sensacional! Me abriu várias possibilidades. O enredo enveredou por esse lado de fantasia e se transformou numa fábula muito por conta disso. A história da existência [do bode] é verdade, que ele entrava nos lugares e ninguém mexia com ele, no cinema, no teatro, na missa. Mas essa coisa de ter sido humanizado é formidável para mim. É o exemplo dessa molecagem brasileira, de personificar no Ioiô nosso jeito de reclamar, de encarar a vida.

O enredo é também sobre eleições, e você desenvolveu o desfile durante o período eleitoral. Esse caldo contribuiu quanto para o enredo?
influenciou o processo inteiro, desde as pessoas discutindo e se digladiando antes dos candidatos serem oficializados. Esse descabelamento das pessoas nesses assuntos me alimentou, me deixou com a sensação de estar desenhando para Sucupira. Há um realismo fantástico que ainda está passando (risos). Isso é muito carnavalesco. Inspira muito a criar.

A escola chegou a ser alvo de fake news?
Notícia falsa não, mas teve gente dizendo que a escola era do PT [Partido dos Trabalhadores] por causa das iniciais (risos) Teve alguns falando “daquele carnavalesco psolista”. Tudo bem, a pessoa acha que está me xingando. Fazer o Ioiô do jeito está sendo feito é muito por conta disso. ‘Relaxa, cara! A gente não pode esquecer que brasileiro é tudo igual. Dizem que se eu não apoiar tal coisa, não sou patriota, não gosto do meu país. Que sandice! A gente quer o melhor para o país, todo mundo quer.

Como foi o Natal na sua casa?
Não teve! Melhor não! (risos). Teve gente achando que o pato [do desfile de 2018, que fazia alusão ao pato inflável usado pela Fiesp] foi para ela… Querido, o mundo não gira em torno do seu umbigo. Se toca, não vou colocar uma coisa tão séria e importante, o meu trabalho, em jogo para mandar indireta.

Na sinopse, você incluiu a frase “Votar em animais é e sempre será possível” Já se elegeu muitos animais na história do Brasil?
Acho que, de certa maneira, colocaram muitos animais para o povo votar. Você procura uma opção e não acha. Só tem um lado e outro. Às vezes tem um terceiro, mas você não consegue enxergar alguém em que você confie, que tenha proposta. Essa última eleição foi muito reflexo disso. Muita gente não votou por não se sentir representado nem por um nem por outro. A gente já elegeu muito animal, mas precisava ter mais opções. Falta aparecer mais lideranças que botem a cara, falem e saibam o que estão falando.

Romulo Tesi

Romulo Tesi Jornalista carioca, criado na Penha, residente em São Paulo desde 2009 e pai da Malu. Nasci meses antes do Bumbum Paticumbum Prugurundum imperiano de Aluisio Machado, Beto Sem Braço e Rosa Magalhães, em um dia de Vasco x Flamengo, num hospital das Cinco Bocas de Olaria, pertinho da Rua Bariri e a uma caminhada do Cacique de Ramos, do outro lado da linha do trem. Por aí virei gente. E aqui é o meu, o nosso espaço para falar de samba e Carnaval.

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