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Um ano sem Aldir Blanc, por Bruno Filippo

Aldir Blanc morreu em 4 de maio de 2020

Em 4 de maio de 2020 morreu Aldir Blanc, vítima de Covid-19. Vivera 73 anos; e se o seu nome está hoje em voga, é mais, bem mais por uma lei com que foi batizada do que pela sua complexa obra de letrista, cronista, escritor, poeta. A Lei Aldir Blanc foi feita às pressas para servir de auxílio emergencial aos setores culturais – um dos mais atingidos pela pandemia. O Salgueiro, sua escola de coração, queria homenageá-lo no próximo carnaval (que seria em 2021 mas ficou para 2022), mas não houve acordo com a família. O nome do enredo seria um achado: “Salgueiro em vermelho e Blanc.”

O poeta escreveu, antes de virar burocracia necessária: “Eu sei/Que o meu peito é uma lona armada/Nostalgia não paga entrada/Circo vive é de ilusão”, dizem os versos iniciais da letra de “Saudades da Guanabara”, samba de Aldir Blanc em parceria com Paulo César Pinheiro e Moacyr Luz. É uma canção que, retratando o Rio de Janeiro dos anos 1960, toma-o pelo que ele sempre foi, a metonímia do Brasil, para exaltar-lhe a importância e gritar por socorro. “Brasil, tua cara ainda é o Rio de Janeiro/Três por quatro da foto e o teu corpo inteiro/Precisa se regenerar”.

A nostalgia de um país idílico – cuja gravação original de Beth Carvalho deu título ao disco lançado pela cantora em 1989 -, entrecortado, como que bipolar, pela degradação e pela esperança de salvamento, é a três por quatro de sua vida espelhada em sua obra. Médico psiquiatra, Aldir Blanc é filho de um Brasil que, apartado da democracia, produziu uma das gerações mais brilhantes da música popular, revelada na era dos festivais e responsável pela consolidação da sigla MPB como espécie de gênero musical influenciado pelo que se criara nas décadas anteriores. As belas melodias que seus parceiros lhe entregavam eram cobertas por letras que primavam pela beleza e pela forma poética rebuscada.

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Aldir Blanc foi o grande letrista de seu tempo; e pode ser apontado, sem exagero, como um dos três maiores de toda a longa história da música brasileira, se não for o maior. Noel Rosa morreu também em um 4 de maio, em 1937. A biografia de ambos entrelaça-se para além da coincidência da data: são dois dos três gigantes. A diferença entre eles está em que, em verdade, ele não era sofisticado; ele era difícil, erudito, rebuscado, repleto de referências secundárias, com o entrelaçamento intricado entre os versos, anacolutos e metáforas nem sempre perceptíveis à primeira ou a muitas audições. Nos telejornais da noite, as emissoras de televisão tiveram de se esforçar para mostrar as poucas imagens que sobraram da queda do Viaduto Paulo de Frontin, na Tijuca – tragédia que inspirou Aldir a escrever os versos iniciais de “O Bêbado e o Equilibrista”, em parceria com João Bosco e sucesso na voz de Elis Regina: “Caía/A tarde feito um viaduto/E um bêbado trajando luto/Me lembrou Carlitos.” Ou quando, na canção “Lupicínia”, conseguiu a proeza de pôr Tostoi na história de um homem que tentava conquistar uma enfermeira do Hospital Salgado Filho, no Méier, subúrbio do Rio.

Se se podem elencar apenas outros poucos nomes para pôr ao seu lado, e sendo o país é rico em grandes letristas, isso dá a dimensão de sua obra. Sem Aldir, a MPB, tal como a conhecemos, estaria um degrau abaixo em sua sofisticação. Aldir era meu vizinho de rua havia 27 anos. Nós nos esbarrávamos muito raramente em algum pé-sujo da Muda. Recluso nas últimas três décadas, sentado no divã de seu quarto coberto de livros, demonstrava preocupação com o futuro do Brasil; e, compondo, resistia à degradação da música brasileira, um tema tabu até há pouco, mas hoje já discutido com certa abertura. Era como se ecoasse outro trecho de “Saudades da Guanabara”: “Brasil/Tira as flechas do peito do meu Padroeiro/Que São Sebastião do Rio de Janeiro/Ainda pode se salvar”.

Bruno Filippo é jornalista e sociólogo

Romulo Tesi

Romulo Tesi Jornalista carioca, criado na Penha, residente em São Paulo desde 2009 e pai da Malu. Nasci meses antes do Bumbum Paticumbum Prugurundum imperiano de Aluisio Machado, Beto Sem Braço e Rosa Magalhães, em um dia de Vasco x Flamengo, num hospital das Cinco Bocas de Olaria, pertinho da Rua Bariri e a uma caminhada do Cacique de Ramos, do outro lado da linha do trem. Por aí virei gente. E aqui é o meu, o nosso espaço para falar de samba e Carnaval.

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