
Mais do que um desfile, a apresentação da Beija-Flor no Carnaval 2025 transcendeu ao patamar de acontecimento cultural brasileiro. Tudo por causa da soma de dois eventos: o enredo, dedicado a Laíla, maior nome da história da escola, e a despedida, valendo nota, de Neguinho da Beija-Flor.
Isso já seria o bastante para fazer o desfile maior que um eventual título, mas a atuação brilhante em vários quesitos, aliado a um forte apelo emocional, rendeu a 15ª conquista da escola – todos com a trilha sonora cantada por Neguinho.
Na pista, como Laíla gostava e exigia da sua aguerrida comunidade, a Beija-Flor fez um desfile de chão forte e canto potente – especialidades da casa. A massa sonora produzida pela turma de Nilópolis arrebatou a Marquês de Sapucaí.
O belo samba, feito da forma como Laíla aprovaria, cumpriu seu papel e serviu como combustível. Nilópolis canta até bula de remédio. Se a obra for boa então, fica fácil. Aconteceu.
No visual, o carnavalesco João Vitor Araújo escolheu dois caminhos para contar a história Luiz Fernando Ribeiro do Carmo – nome de batismo de Laíla: primeiro, o religioso; depois, o do Carnaval.
Na primeira parte da história, o carnavalesco destacou o perfil multi-religioso do sambista, que exibia com orgulho suas guias e mencionava seus santos e orixás de devoção sempre que podia.
“Sou um filho de Xangô osso duro de roer”, disse ao Setor 1 em 2020, cerca de um ano antes de morrer, vítima de Covid-19. Passadas as restrições impostas pela pandemia, Laíla teve enfim seu adeus na pista – o gurufim, como os sambistas chamam a festa aos seus mortos, e como cunhou a jornalista Flávia Oliveira.
Na segunda parte, Araújo mergulhou na trajetória de Laíla no Carnaval, desde os tempos de Salgueiro até a consagração na Beija-Flor, onde revolucionou a forma de fazer desfiles. Não é exagero que, em matéria de cortejos de escolas de samba, Laíla é a figura mais influente da história, aspecto valorizado no desfile.

No final, Araújo juntou Laíla e Joaõsinho Trinta – dois gênios do Carnaval – em uma alegoria com uma réplica do icônico “Cristo Mendigo” de 1989. Como se fizessem as pazes – os dois nunca se entenderam sobre a paternidade da frase “Mesmo proibido, olhai por nós”, inscrita na escultura coberta pela censura -, diretor e carnavalesco, encarnados em sósias, desfilaram juntos sob o Cristo. Que tinha ainda uma homenagem a Rosa Magalhães. Demais para quem ama essa festa.
Enquanto isso, Neguinho, como anunciou no desfile da última segunda-feira, empunhava o microfone da Beija-Flor, agora se sabe, pela penúltima vez. No Sábado das Campeãs estará o cantor, a maior voz viva do Carnaval, no carro de som cantando. E fechará a noite com arrastão e aurora na Sapucaí, como a turma do samba gosta.
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