Com ‘gurufim’ de Laíla e adeus de Neguinho, Beija-Flor transcende e briga para ser campeã, mas desfile é maior que título

Escultura de Laíla, homenageado pela Beija-Flor em 2025 – Dhavid Normando/Rio Carnaval

A apresentação da Beija-Flor desta segunda-feira (3) transcendeu o que se convenciona chamar de desfile de escola de samba. Tudo porque, em um único evento, a agremiação de Nilópolis reuniu o “gurufim” de Laíla – como definiu a jornalista Flávia Oliveira – e a despedida de Neguinho da Beija-Flor. Traduzindo: a homenagem ao homem que revolucionou o Carnaval e a última passagem, pelo menos defendendo o microfone da escola, de um dos maiores nomes da música produziram não só um desfile, mas um acontecimento cultural brasileiro, dada a importância que a feste tem para o país.

Se fosse hors-concours, a Beija-Flor já teria cumprido seu papel. Mas Nilópolis quer mais. Tanto que realizou um desfile que a credencia ao título do Carnaval 2025. E foi do jeito que o homenageado gostaria: com o que no universo das escolas de samba é chamado de “chão forte”, especialidade da turma da Baixada.

O canto forte dos componentes deixaria o exigente Laíla orgulhoso da sua comunidade, que berrou o samba aguerrido – como era o homenageado – e mostrou que o rolo compressor nilopolitano é uma herança que segue viva após a morte do diretor em 2021, vítima da Covid-19.

Além do canto, a Beija-Flor exibiu a opulência dos tempos de papa-títulos de Laíla dos anos 2000. Com um recorte feito pela religiosidade e a atuação no Carnaval, o carnavalesco João Vitor Araújo traduziu em alegorias e fantasias as faces mais conhecidas do sambista, que atuou em várias atividades das escolas. Se fosse jogador de futebol, o vascaíno Laíla só não teria sido goleiro.

No fim do desfile, o momento mais emocionante, a Beija-Flor lembrou da atuação de Laíla no que é considerado o maior Carnaval de todos os tempos, em 1989, quando criou, ao lado de Joãosinho Trinta, o épico “Ratos e Urubus, Larguem Minha Fantasia”.

Uma réplica da censurada escultura do “Cristo mendigo” coberto por um plástico preto exibia a faixa com os dizeres: “do orun, olhai por nós”. Dois componentes representando Laíla e Joãosinho cruzam o Setor 1 e sobem na alegoria, que ainda contava com uma homenagem à carnavalesca Rosa Magalhães, que fora parceira dos dois. Arrebatador.

Neguinho da Beija-Flor no útimo desfile oficial – Dhavid Normando/Rio Carnaval

Houve ainda o adeus de Neguinho, maior intérprete vivo do Carnaval, voz-símbolo da festa, que deixa o microfone da escola após 50 anos de serviços prestados à Beija-Flor.

A saideira do cantor entregou o que foi, até o momento, o mais emocionante desfile do ano.

A recepção na passagem pela concentração foi digna dos grandes artistas do Carnaval. Cercado por jornalistas e fãs, mal conseguiu caminhar diante de microfones, câmeras e celulares.

Na pista, emendou o samba de 2018, último título da escola, e o icônico “Ratos e Urubus”, vice em 1989, como se, mesmo que involuntariamente, lembra-se aos presentes o seu tamanho na maior manifestação cultutal brasileira. Emocionante.

O próprio precisou de alguns segundos para se recuperar após o esquenta, antes de dar início à apresentação histórica e defender o samba em homenagem ao ex-companheiro de escola.

“Espero que o Papai do Céu ajude a gente e que a Beija-Flor saia daqui campeã. Estreei campeão, quero encerrar campeão”, disse Neguinho ao Band Folia, antes de partir rumo à última apresentação – pelo menos valendo nota.

“Esta vai ser a penúltima vez que vou cantar pela escola. Vamos voltar no desfile das campeãs”, previu.

Quem for contra, reza.

Romulo Tesi

Romulo Tesi Jornalista carioca, criado na Penha, residente em São Paulo desde 2009 e pai da Malu. Nasci meses antes do Bumbum Paticumbum Prugurundum imperiano de Aluisio Machado, Beto Sem Braço e Rosa Magalhães, em um dia de Vasco x Flamengo, num hospital das Cinco Bocas de Olaria, pertinho da Rua Bariri e a uma caminhada do Cacique de Ramos, do outro lado da linha do trem. Por aí virei gente. E aqui é o meu, o nosso espaço para falar de samba e Carnaval.

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