
A apresentação da Beija-Flor desta segunda-feira (3) transcendeu o que se convenciona chamar de desfile de escola de samba. Tudo porque, em um único evento, a agremiação de Nilópolis reuniu o “gurufim” de Laíla – como definiu a jornalista Flávia Oliveira – e a despedida de Neguinho da Beija-Flor. Traduzindo: a homenagem ao homem que revolucionou o Carnaval e a última passagem, pelo menos defendendo o microfone da escola, de um dos maiores nomes da música produziram não só um desfile, mas um acontecimento cultural brasileiro, dada a importância que a feste tem para o país.
Se fosse hors-concours, a Beija-Flor já teria cumprido seu papel. Mas Nilópolis quer mais. Tanto que realizou um desfile que a credencia ao título do Carnaval 2025. E foi do jeito que o homenageado gostaria: com o que no universo das escolas de samba é chamado de “chão forte”, especialidade da turma da Baixada.
O canto forte dos componentes deixaria o exigente Laíla orgulhoso da sua comunidade, que berrou o samba aguerrido – como era o homenageado – e mostrou que o rolo compressor nilopolitano é uma herança que segue viva após a morte do diretor em 2021, vítima da Covid-19.
Além do canto, a Beija-Flor exibiu a opulência dos tempos de papa-títulos de Laíla dos anos 2000. Com um recorte feito pela religiosidade e a atuação no Carnaval, o carnavalesco João Vitor Araújo traduziu em alegorias e fantasias as faces mais conhecidas do sambista, que atuou em várias atividades das escolas. Se fosse jogador de futebol, o vascaíno Laíla só não teria sido goleiro.
No fim do desfile, o momento mais emocionante, a Beija-Flor lembrou da atuação de Laíla no que é considerado o maior Carnaval de todos os tempos, em 1989, quando criou, ao lado de Joãosinho Trinta, o épico “Ratos e Urubus, Larguem Minha Fantasia”.
Uma réplica da censurada escultura do “Cristo mendigo” coberto por um plástico preto exibia a faixa com os dizeres: “do orun, olhai por nós”. Dois componentes representando Laíla e Joãosinho cruzam o Setor 1 e sobem na alegoria, que ainda contava com uma homenagem à carnavalesca Rosa Magalhães, que fora parceira dos dois. Arrebatador.

Houve ainda o adeus de Neguinho, maior intérprete vivo do Carnaval, voz-símbolo da festa, que deixa o microfone da escola após 50 anos de serviços prestados à Beija-Flor.
A saideira do cantor entregou o que foi, até o momento, o mais emocionante desfile do ano.
A recepção na passagem pela concentração foi digna dos grandes artistas do Carnaval. Cercado por jornalistas e fãs, mal conseguiu caminhar diante de microfones, câmeras e celulares.
Na pista, emendou o samba de 2018, último título da escola, e o icônico “Ratos e Urubus”, vice em 1989, como se, mesmo que involuntariamente, lembra-se aos presentes o seu tamanho na maior manifestação cultutal brasileira. Emocionante.
O próprio precisou de alguns segundos para se recuperar após o esquenta, antes de dar início à apresentação histórica e defender o samba em homenagem ao ex-companheiro de escola.
“Espero que o Papai do Céu ajude a gente e que a Beija-Flor saia daqui campeã. Estreei campeão, quero encerrar campeão”, disse Neguinho ao Band Folia, antes de partir rumo à última apresentação – pelo menos valendo nota.
“Esta vai ser a penúltima vez que vou cantar pela escola. Vamos voltar no desfile das campeãs”, previu.
Quem for contra, reza.
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