
A contratação dos carnavalescos Gabriel Haddad e Leonardo Bora pela Unidos de Vila Isabel é, até o momento e provavelmente ao final da atual “janela de transferências”, a movimentação mais importante do mercado das escolas de samba do Grupo Especial do Rio de Janeiro. Talvez dos últimos anos.
O reforço da dupla, que se desligou da Grande Rio, tem potencial para transformar a Vila em um potência carnavalesca e colocar a escola de novo em condições de disputar o título com as atuais agremiações dominantes – jocosamente, mas também de forma elogiosa, chamadas de SAFs do samba: Viradouro, Imperatriz e a própria Grande Rio. O título da Beija-Flor em 2025 é a exceção que confirma a tese.
A presença da escola de Duque de Caxias neste grupo tem a ver justamente com o Boraddad – shipagem dos nomes dos carnavalescos cunhada nos velhos e bons tempos do Twitter. Vale voltar no tempo.
Em 2019, a Grande Rio terminara o Carnaval em nono lugar, com um enredo que soava como uma justificativa para a virada de mesa do ano anterior, quando a escola foi rebaixada e salva em seguida por um megazorde político formado pelo então governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão; o na época prefeito de Duque de Caxias, Washington Reis; Rodrigo Maia, que ocupava a presidênte da Câmara dos Deputados; e até o “inimigo” do Carnaval, Marcelo Crivella, então prefeito do Rio. Imagina.
Foi quando a Grande Rio apostou no frescor de Bora e Haddad, revelações saídas da modesta – hoje penando na Intendente Magalhães – Acadêmicos do Cubango.
Com dinheiro e estrutura, a dupla pôde mostrar ainda mais serviço. Mas não ficaram presos ao barracão. O primeiro ato dos carnavalescos foi lançar um enredo que serviria quase como uma refundação da escola, sobre o pai de santo, homossexual, negro e nordestino Joãozinho da Gomeia.

Na esteira do tema do desfile, veio uma bela safra de sambas concorrentes e uma comunidade feliz com um reencontro com suas raízes – o terreiro de Joãozinho da Gomeia era inclusive em Caxias.
Não fosse um erro de evolução, talvez o título de 2020 – vencido com justiça pela Viradouro – fosse para a Grande Rio. Mas a revolução estava feita.
Após a longa espera causada pela pandemia de Covid-19, veio, enfim, a temporada para o desfile sobre Exu. No pré, a midiática escola, com um passado cheio de “enredos CEP”, de relevância duvidosa, saiu na foto como a ponte de lança do debate sobre liberdade religiosa. Obra de Bora e Haddad & turma, tudo gente jovem, cabelo ao vento e cabeça livre.
E se repetiu todo roteiro: enredo bom, safra boa, escolha de samba segura. E o título chegou, no Carnaval deslocado no tempo, realizado em abril, com um desfile além de belo, influente. “A maior obra de arte brasileira do século”, como diz o roteirista Lucas Prata Fortes. Um dos três maiores desfiles do século, junto de “Áfricas” (Beija-Flor 2007) e “História para Ninar Gente Grande” (Mangueira 2019), segundo o jornalista, escritor e comentarista de Carnaval da Band, Aydano André Mota.

A Grande Rio fora do meme, da fama de “Unidos do Projac” para ocupar a vanguarda da arte carnavalesca.
Não cabe aqui a comparação entre as trajetórias de Grande Rio e da nova casa de Boraddad, mas a dupla tem as condições de refazer caminho semelhante numa agremiação que pareceu deslocada em 2025, que terminou somente na 8ª posição com um desfile sobre assombrações.
O pré-Carnaval da Vila, conturbado, teve como notícia mais rumorosa a entrevista do carnavalesco Paulo Barros. Conhecido por desenvolver temas de fácil entendimento e assinar desfiles que muitas vezes servem como uma “massagem no cérebro” entre os temas atuais, o consagrado artista disse à jornalista Mônica Bergamo, da Folha de S. Paulo, que “a maioria dos enredos” de 2025 são afro, “tudo já foi visto e revisto” e “90% de quem está assistindo não vai entender nada”. Nas redes sociais, Paulo foi acusado de racismo religioso.

Em entrevista ao Setor 1, o artista se defendeu. “Colocaram numa posição de que eu sou contra, de que eu tenho preconceito. Gente, está aqui minha conta”, disse, antes do desfile da Vila, mostrando uma guia religiosa no pescoço. “Eu sou do santo”, completou.
Dado os estilos, a mudança promovida agora é radical. E a transformação da fase da escola, inevitável. Na Vila, haverá ainda o reencontro com o enredista Vinícius Natal, peça fundamental na gestação de Joãozinho da Gomeia e Exu.
A esperança da torcida é que, antes de avançar sobre os primeiros lugares, o pré-Carnaval tenha enredo bom, safra boa e escolha de samba tranquila. O resto deixa por conta do protocolo Macaco Branco-Tinga.
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