Beth Carvalho dizia: “Não existe no mundo nada mais emocionante do que ser enredo de uma escola de samba. É a maior consagração que um artista pode ter”. E nos seus 72 anos de vida, a cantora viveu essa emoção cinco vezes – talvez a personalidade que recebeu a homenagem mais vezes em vida.
Unidos do Cabuçu, Bohêmios de Inhaúma, Imperatriz Dona Leopoldina, Acadêmico do Tatuapé e Alegria da Zona Sul já dedicaram desfiles a Madrinha do Samba, que deixou o samba de luto nesta terça-feira, 30, no Rio de Janeiro.
A estreia foi logo com um título em dose dupla, em 1984, na inauguração da Passarela do Samba na Marquês de Sapucaí: Beth foi campeã no Acesso, então Grupo 1B, como enredo da Cabuçu (“Beth Carvalho, a Enamorada do Samba”) e ajudou a escola a subir. Entre os autores do samba, Luiz Carlos da Vila e a dupla Paulinho Tapajós e Edmundo Souto, dois dos autores de “Andança” e de quem gravou várias outras músicas.
Cacique, Mangueira e o seu Botafogo
Unidos do Cabuçu, 1984
Ardendo veias paixões como fogo
Beth embala Luana, Beth quer te embalar
Beth embala Luana, pra Luana não chorar
No grupo principal, Beth ainda seria campeã – aliás, supercampeã – com a Mangueira, seu amor maior entre as escolas de samba, em um desfile antológico sobre Braguinha. A Verde e Rosa foi até o fim da avenida, deu a volta na Praça da Apoteose e voltou pela própria Marquês de Sapucaí. Antes da apresentação, Beth entregou a surpresa.
Em 1990, Beth ganhou a homenagem do Bohêmios de Inhaúma, que até dois anos antes era somente um bloco. A escola ficou em 5º lugar do então Grupo C, na Avenida Rio Branco, com “Beth Carvalho, a alma do Brasil”.
Pé quente, Beth foi campeã de novo em 2010, mas bem longe da Sapucaí. Enredo da Imperatriz Dona Leopoldina, (“Beth Carvalho. A Madrinha do Samba da Leopoldina”), a cantora viu a agremiação faturar seu primeiro título no Grupo Especial de Porto Alegre.
Aquele desfile guarda pelo menos uma história de superação: a escola teve seu barracão severamente danificado por um forte temporal que caiu sobre a capital gaúcha em outubro do ano anterior, mas conseguiu deixar tudo pronto a tempo para a apresentação.
Anos depois de gravar um álbum totalmente dedicado a São Paulo (“Beth Carvalho Canta o Samba de São Paulo, de 1993”) e se aproximar do Vai-Vai, a Beth seria enredo no Carnaval paulista em 2013, com a então modesta Acadêmicos do Tatuapé.
A escola havia subido para o Grupo Especial após o vice do Acesso de 2012, quando o enredo foi outra gigante da música brasileira, a sambista Leci Brandão. No ano seguinte, Beth foi a estrela de um desfile que, se não acabou em um improvável título, valeu o 11º lugar e consequente permanência na elite do samba paulistano. Desde então a Tatuapé ganhou dois Carnavais: 2017 e 2018.
Beth acompanhou toda a preparação do enredo “Beth Carvalho, a Madrinha do Samba”, desenvolvido pelo carnavalesco Mauro Xuxa, mas não pôde estar presente no Anhembi. A cantora ainda se recuperava de uma cirurgia na coluna, realizada no ano anterior. A sobrinha Lu Carvalho representou a família no desfile, que lembrou o episódio em que Beth e Nasa se encontraram.
Em 1997, durante a missão Pathfinder, em Marte, o robozinho responsável pela coleta de dados e imagens no planeta, Sojourner era ligado sempre com uma música. Em uma delas, a máquina foi despertada com “Coisinha do Pai”, sucesso de Jorge Aragão, Almir Guineto e Luiz Carlos na voz de Beth.
Em 2017, a derradeira homenagem na avenida, e de novo no Rio de Janeiro. Beth foi o tema da Alegria da Zona Sul, da Série A, principal divisão de acesso. O enredo “Vou festejar com Beth Carvalho, a madrinha do samba”, foi assinado pelo carnavalesco Marco Antônio Falleiros . Apesar dos problemas no desfile e com a escola em dificuldades financeiras, a agremiação do Pavão-Pavãozinho conseguiu evitar o rebaixamento com a 13ª colocação.
Bate na palma da mão, levanta poeira
Alegria da Zona Sul, 2017
de vermelho e branco, vou festejar
na alegria, o batuque é de arerê
Beth Carvalho, o meu samba é pra você
Antes do desfile, Beth protagonizou um momento de emoção, ao cantar o sucesso “Vou festejar” no esquenta da escola, com o intérprete Igor Vianna.
Falta a Mangueira. A escola do coração de Beth, onde a sambista desfilou por tantos anos, ainda não dedicou um enredo a uma das suas mais ilustres e apaixonadas torcedoras. A relação, inclusive, passou por percalços, como quando Beth se afastou após ser expulsa do carro alegórico dos baluartes mangueirenses por membros da Verde e Rosa instantes antes do desfile de 2007. As rusgas ficaram pra trás, e Beth voltou em 2011 – para desfilar. Como enredo, só depende da escola. Enquanto isso, nas redes sociais, mangueirenses já pediam a homenagem para 2020.
Perde o samba, uma das suas figuras mais ilustres.