Samba da Mangueira de 2019 inspira pesquisa em colégio do Rio

O samba-enredo da Mangueira de 2019 rompeu os limites da quadra e ganhou a sala de aula. Um professor de Sociologia do Rio de Janeiro, mangueirense, usou a obra da Verde e Rosa para apresentar aos alunos do Colégio Estadual Antônio Prado Júnior, na Praça da Bandeira, os personagens brasileiros esquecidos pela história oficial. Com isso, a turma do 1º ano do ensino médio conheceu gente como Luiza Mahin, Chico da Matilde e outros – todos heróis exaltados no enredo desenvolvido pelo carnavalesco Leandro Viera.

“É um acesso a informações que eles não têm, que dificilmente vem à tona. Ninguém sabe quem é Chico da Matilde, por exemplo. E expliquei a importância de saber quem foram essas pessoas e entenderem as questões sobre eles”, conta o professor Luiz Guilherme Santos, 38 anos, ao Setor 1.

Foram dois trabalhos. Primeiro, a turma editou em conjunto um vídeo clipe sobre os personagens. Depois, os alunos entregaram uma pesquisa sobre cada personalidade citada no samba, direta ou indiretamente. Aí uma outra mágica aconteceu: a da identificação.

Trabalho de aluna do Colégio Estadual Antônio Prado Júnior sobre o samba da Mangueira de 2019 – Reprodução/Facebook

Identidade

“Muitos alunos são negros. Eu já estava justamente trabalhando a questão da identidade com a turma. Logo a ideia também serviu para mostrar a eles: ‘essas pessoas estão no passado de vocês, construíram um pouquinho da história de vocês’”, diz Luiz Guilherme.

A reação foi a melhor possível, segundo o professor, acostumado a usar sambas-enredo para ilustrar as aulas, como Beija-Flor de 2007, para falar sobre Pequena África, e Portela de 2014, para tratar do Rio de Janeiro.

“Eles começaram a ver: ‘espera ae, tem muita gente de parte da nossa história que não é lembrada’”, narra, sobre o contato com Marias, Mahins, Marielles – essa conhecida deles -, Malês.

Luiz Guilherme (à dir.) na Mangueira, acompanhado por Nina Rosa, umas das cantoras que defendeu o samba na disputa, o Hélio Turco, um dos maiores compositores da história do Carnaval – Reprodução/Facebook

“Gostaram bastante da letra. Alguns não gostam de samba, mas é normal, questão de gosto. Todos viram questões importantes na letra. E tem uma galera que é da Mangueira, de outras escolas ou que mora em outros morros, como o Salgueiro, que veio junto”, conta Luiz, que não tomou conhecimento de recepções negativas à iniciativa – dado o tom engajado da letra e o momento político no Brasil. Pelo contrário.

“Até os alunos de perfil mais conservador não tiveram uma recepção negativa. Tem inclusive aluno que votou no Bolsonaro e gostou do samba”, lembra.

Escola Sem Partido

O projeto “Escola Sem Partido”, que visa coibir uma suposta doutrinação política em sala de aula, não causam, ainda, preocupação a Luiz, diante da possibilidade de restrições a iniciativas como a realizada com o samba mangueirense.

“Acredito que, vindo isso, os professores vão enfrentar e não haverá recuo”, diz, sobre o programa que atualmente tramita na Câmara dos Deputados.

“Depende de como o professor de comporta no todo. Por exemplo: eu trabalho com eles marxismo e liberalismo. Não preciso esconder nada. Se eu tenho convicções daquilo que penso, não preciso ficar escondendo nada deles. Se alguém não gostar, nós temos que questionar: ‘se certo um livro fala de princesa Isabel, por que não pode falar sobre outras pessoas?’”, pondera.

“Nós estamos desconstruindo um pouco uma história totalmente ideologizada pelos conservadores, pela elite, que é colocada dentro das escolas há décadas. A gente está tranquilo quanto isso (Escola Sem Partido), embora saiba que possa vir chumbo grosso pela frente”, prevê.

Luiza Mahin, líder da Revolta dos Malês

Romulo Tesi

Romulo Tesi Jornalista carioca, criado na Penha, residente em São Paulo desde 2009 e pai da Malu. Nasci meses antes do Bumbum Paticumbum Prugurundum imperiano de Aluisio Machado, Beto Sem Braço e Rosa Magalhães, em um dia de Vasco x Flamengo, num hospital das Cinco Bocas de Olaria, pertinho da Rua Bariri e a uma caminhada do Cacique de Ramos, do outro lado da linha do trem. Por aí virei gente. E aqui é o meu, o nosso espaço para falar de samba e Carnaval.