Bruno Filippo*
Não fosse pelo bem-sucedido retorno midiático, a ponto de nomear o enredo de uma escola de samba que o homenageou no carnaval seguinte, o vocativo “Alô, mamãe” – que Agnaldo Timóteo, telefone sem fio no ouvido, proferiu no púlpito do Congresso Nacional em seu primeiro discurso como deputado federal pelo Rio – seria mais explicitamente o falível divisor de sua carreira, que não conseguiu separar o político do cantor. Em 1983, quando estreou na política, Timóteo havia colecionado sucessos em duas décadas fazendo shows e gravando discos, desde que chegou ao Rio de Janeiro, em 1960, em busca de sucesso.
Misturando política e música – foi o deputado federal mais votado, com meio milhão de votos -, Agnaldo Timóteo criou uma personagem em que ambas o estereotipavam. Passou o primeiro ano de mandato brigando pública e estridentemente com o governador do Rio, Leonel Brizola; os dois pertenciam ao mesmo partido, o PDT, e acusavam-se de tráfico de influência.
Teve longa carreira política no Rio e em São Paulo, seja como deputado federal, seja como vereador. Quis ser polêmico. Aproveitava-se do movimento pendular: estava à direita ou à esquerda, dependendo do momento e de seus interesses; passava de Paulo Maluf a Lula sem dores de consciência. Comportava-se como leão-de-chácara, autoritário, mesmo; palpitava sem lastro, era inculto e não escondia isso, falava barbaridades de corar alguns negacionistas de hoje. Gostava de confusão; e, talvez pela que arrumou com Brizola, foi vaiado por parte do público que inaugurava o Sambódromo, em 1984 – ideia do governador e do vice, Darcy Ribeiro. Timóteo desfilou no carro abre-alas, em um telefone gigante, alegorizando o seu “Alô, mamãe”.
O Agnaldo Timóteo da música é bem mais interessante do que o da política.
Quando começou a carreira, o mercado fonográfico e o universo da comunicação de massas passavam por intensa transformação. A Era do Rádio cedia à novidade da televisão; e a música de que gostava ia perdendo espaço e interesse para a bossa-nova – e depois para o iêiêiê da Jovem Guarda, para a geração dos festivais e para o Tropicalismo. Não mudou o estilo: cantava com vozeirão ao estilo “dó de peito” músicas românticas com letras derramadas e arranjos imoderados, vestido, não raro, de modo espalhafatoso – o avesso do minimalismo bossa-novista. Mesmo assim, ou por causa disso, fez enorme sucesso entre os anos 1960 e 1970. Não demorou para que recebesse a alcunha de “brega” ou “cafona” – o que o perfilava ao lado de Odair José, Paulo Sérgio, Nelson Ned, Dom e Ravel, Lindomar Castilho, Waldik Soriano, entre outros -, mesmo quando gravava composições de artistas considerados “sofisticados”.
Esses artistas, não obstante a indiferença ou o ferocidade da crítica musical, sempre tiveram um público cativo, capaz de fazê-los preencher a agenda de shows e vender muitos discos, sem falar nas paradas populares das emissoras de rádio. A partir dos anos 1980, perderam espaço, incluindo o Timóteo, cada vez mais ocupado com a política – mas continuaram com um nicho bastante numeroso. O escritor e historiador Paulo César de Araújo foi quem melhor estudou a música brega no Brasil; o resultado da pesquisa está no estupendo livro “Eu não sou cachorro, não: música popular cafona e ditadura militar no Brasil”, lançado pela Editora Record em 2002. (Paulo César é o autor da biografia do Roberto Carlos que foi censurada pelo biografado; o caso acabou no STF, Paulo saiu vencedor e agora em abril chega às livrarias “Roberto Carlos – Outra Vez”, nova biografia)
Veja também:
Paulo Stein, a televisão contemporânea e o fim das grandes vozes
Com toda a estridência pública, Timóteo era reservado sobre sua vida pessoal. Gravou músicas com duplo sentido homossexual; e homenageou a Galeria Alaska, famoso ponto de encontro gay de Copacabana na década de 1970, com a canção “Galeria do Amor”, cuja letra dizia: “Na galeria do amor é assim/Muita gente a procura de gente/A galeria do amor é assim/Um lugar de emoções diferentes”. Insinuações sobre sua sexualidade já o fizeram exaltar-se durante um programa de tevê.
Sua morte, aos 84 anos, fará com muitos saiam do armário e confessem que era bom ouvi-lo, ainda que às escondidas.
* Bruno Filippo é sociólogo, jornalista e cientista político. Comentarista da BandNews FM.
Adicionar comentário