(Por Romulo Tesi) Antes de ouvir, eu vi “Na Fonte”. Na capa e na contracapa do disco, Beth Carvalho aparece rodeada de gente: Dona Zica, Nelson Cavaquinho, Noca da Portela, Arlindo Cruz e mais um monte de bambas. O local, eu saberia depois, era o solo sagrado do Cacique de Ramos. Eu nunca estive com a Beth Carvalho, mas por causa daquelas fotos, fiquei com a impressão de que a sambista era uma pessoa gregária, cheia de amigos, sociável – que, enfim, gostava de estar com a galera.
“Andanças”, documentário de Pedro Bronz lançado este ano, está impregnado do início ao fim com essa vibe, própria do samba e seus pagodes. E tudo registrado por Beth, seja ela “dirigindo” ou operando a câmera.
A começar pela cena inicial: Beth chega ao ao bar Bip Bip, em Copacabana, e se embrenha entre as muitas pessoas que lotam o exíguo estabelecimento para gravar a roda de samba. Logo de cara aparece Walter Alfaiate. Alguém avisa que Mário Lago estava presente. A câmera avança até a mesa, filma os músicos, depois flagra Alfredinho, o dono do bar, e enfim encontra Lago. Beth e ele aparecem juntos no meio da turma e cantam.
O filme compila, guiado pelo roteiro-passeio assinado por Bronz e o jornalista Leonardo Bruno (autor de dois livros sobre Beth Carvalho), várias, muitas cenas como essa, em que a sambista registra encontros dela com sua turma – ou muitas turmas
Beth andou com geral. Começou pelo grupo da bossa nova, depois caiu no samba. Primeiro a do pessoal “raiz”, incluindo Cartola e Nelson Cavaquinho – de quem a sambista tinha medo. Dado a exagerar um tico na bebida, Nelson arregalava os olhos quando estava mais aditivado. No filme, Beth conta que um dia a coragem e a admiração venceram o temor, e lá foi ela quebrar o gelo. Pronto, mais um amigo, mais gente pra fazer samba.
Em fins dos anos 70, lá foi Beth cruzar a cidade para se juntar com a turma do Cacique de Ramos. “Pilhada” pelo amigo Alcir Portela, capitão do Vasco, a botafoguense caiu na rua Uranos e nunca mais saiu. Lá encontrou um grupo ainda pequeno, de uns 15 amigos, que se juntavam para jogar futebol e depois beber e cantar samba.
O resto da história já é conhecida: Beth, já madrinha, ajudou a lançar não só mais um grupo, o Fundo de Quintal, mas um jeito de tocar samba bem diferente, tribal, e que atraiu e formou incontáveis artistas populares. Mais turma, mais galera, mais samba. Entre eles, gente como Zeca Pagodinho e Arlindo Cruz – este fotografado próximo a Nelson Cavaquinho na capa de “Na Fonte”, em mais um encontro geracional que Beth conseguiu promover.
E aí está outra característica que Beth e suas imagens em “Andanças” revelam: a sambista estava com sempre com geral, mas também juntou todo mundo. Beth conseguiu unir várias pontas da música brasileira, fazendo com que, pelo menos em seus discos e festas – como a de 40 anos, registrada no filme – fossem todos da mesma galera. A galera da Beth.
“Na Fonte” e outros discos são isso. Beth bebeu “na fonte” de muita gente para entregar ao mundo obras que, mais do que registros musicais, defendiam – talvez involuntariamente – a tese de que estar com a galera é muito melhor – como um bom pagode deve ser. Seja com o pequeno grupo cantando e improvisando em cima de “O show tem que continuar”, entoando “Virada” com milhões de pessoas nas manifestações das Diretas Já ou rodeada das enfermeiras, sobre quem encomendou um samba a Arlindo: “Anjos de Branco”.
“Andanças” mostra essa Beth, que não era chamada de “madrinha” à toa. E a minha percepção sobre a sambista motivada pela capa do disco provavelmente esteja certa.
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