No Rio de Janeiro, a cena marcou o período eleitoral: três candidatos em um palanque, exibindo orgulhosos uma placa de rua com o nome de Marielle Franco quebrada. Entre os envolvidos, todos eleitos, dois deputados – estadual e federal -, e o governador, classe de pessoas que costumam ter seus nomes eternizados nos logradouros mais nobres de cidades como o Rio. Bem diferente da gente exaltada pela Mangueira, campeã em 2019 jogando luz sobre os “sem placa”, que não batizam ruas, as Marias, Mahins, Marielles, Malês.
Inspirado no projeto de lei ‘Escola Sem Partido’, o enredo “História Para Ninar Gente Grande” propunha revelar personagens esquecidos – ou até apagados – pela História oficial: indígenas, negros, pobres, torturados, mortos, vencidos. Enquanto os tradicionais “heróis”, de farda ou de terno e gravata, armados ou não, tiveram suas biografias revistas, e seus feitos questionados.
O “sangue retinto pisado atrás do herói emoldurado” citado na letra do antológico samba serve como resumo do “lado B” da História do Brasil que o carnavalesco Leandro Vieira contou na Marquês de Sapucaí.
Por trás de cada quadro ou placa de rua com um nome pomposo pode estar o sangue de indígenas, de escravos ou de mulheres, protagonistas do desfile da Mangueira da última segunda-feira. Quem viu a Verde e Rosa, viu Leci Brandão, negra, homossexual, militante, no alto de um trono representando Luiza Mahin, negra, ex-escrava e militante, cuja história é pouco ou nada conhecida das massas. Até a Mangueira de 2019.
“Para mim, a Mangueira é o Brasil. E o Brasil inteiro cabe na Mangueira. O morro da Mangueira é um DNA do Brasil, é onde as lutas indígenas e dos negros foram parar. Lugar da mãe solteira, de famílias negras que não tiveram lutas reconhecidas. A Mangueira que eu acredito só pode se colocar a favor disso”, disse o carnavalesco em entrevista ao Setor 1 recentemente.
Vítima, Marielle, vereadora do Rio assassinada há cerca de um ano, cujo crime até hoje não foi solucionado, é mais uma que pode ter a história relegada pela História oficial. O nome da líder política não constava na sinopse mangueirense, mas sua presença emanava do enredo. Tanto que acabou na letra do samba: “Brasil chegou a vez de ouvir as Marias, Mahins, Marielles, Malês”.
“É importante contar a história da Marielle. Não a vereadora assassinada, mas a mulher negra moradora da favela da Maré, que se formou doutora e vereadora. Dar notoriedade a isso é importante. É falar do melhor do Brasil, que é o povo”, disse Vieira, que a homenageou levando para a avenida bandeiras com seu rosto pintado.
Após o episódio da placa quebra, o deputado estadual Rodrigo Amorim (PSL), que chegou a emoldurar e colocar na parede de seu gabinete parte do objeto quebrado, alegou que agiu em nome da ordem pública, já que a placa cobria o nome oficial do logradouro, na Cinelândia, local da Câmara de Vereadores. História para ninar gente grande.
O texto não reflete necessariamente a opinião do Grupo Bandeirantes.
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