A irmã, os parceiros e a diretora fã: o dia em que o Império cantou Arlindo Cruz

Arlindo Cruz no carro em que desfilou no Império Serrano – Romulo Tesi

Calma e serena, Graziele Américo orientava os componentes do Império Serrano na concentração da Marquês de Sapucaí na noite deste domingo (19).

“Pode acenar e dançar, mas não pulem. No máximo sambem um miudinho”, dizia ela para o grupo de desfilantes do último carro da escola, primeira a se apresentar no Grupo Especial no Carnaval 2023.

A preocupação é justificável: como diretora de Alegoria, ela recebeu a missão mais importante de todos os seus quase 40 anos de Império. No caso, a de responsável pelo carro que levaria o homenageado pela escola, imperiano ilustre, Arlindo Cruz.

“É o carro do cara. É onde ele vem, né?”, responde Graziele, suspirando.

Graziele, a diretora de Alegoria – Romulo Tesi

“Nosso ídolo, nossa essência, nosso ar. Ele tá do jeito que tá mas ele é o cara”, completa a imperiana, sincera, sobre as sequelas sofridas por Alindo após o AVC sofrido em 2017. Daí também a preocupação com o sacolejo da alegoria, a última do desfile, que cruzou a avenida rumo à Apoteose cheio de familiares e amigos do sambista.

Entre eles estava Tico do Império, ex-membro da banda de Arlindo. Tico tocou repique de mão durante 10 anos nos shows do amigo, e atualmente integra o grupo de Xande de Pilares.

“A emoção é muito grande”, diz Tico, com os olhos marejados. “Conheço o Zeca desde moleque. Tenho ele como uma entidade do samba. Conheci muito de música por causa dele”, completa Tico, que recebe de Xande a incumbência de cantar “Meu Lugar”, do conhecido refrão “Madureeeiraaa”, nos shows.

Tico aproveitava o momento para apresentar um samba de sua autoria para um parceiro de Arlindo. Empunhando um banjo, Delcio Luiz tocava o instrumento para mostrar de volta um samba próprio. Tudo isso sob uma escultura de um Arlindo risonho, também portando o mesmo instrumento.

Tico, Delcio, Arlindo e o banho – Romulo Tesi

Parceiro de Arlindo em “O Bem”, Delcio conta que recebeu o convite para desfilar da esposa do amigo, Babi Cruz. E ela fez um pedido especial: levar o instrumento. Uma forma de lembrar a extinta Ala do Banjo, liderada pelo homenageado da noite.

“É um sentimento maravilhoso homenagear um dos melhores compositores do nosso samba”, diz Delcio, ele próprio um dos frutos do jeito diferente de tocar samba nascido no Cacique de Ramos e ex-integrante do Fundo de Quintal.

Frequentador do mesmo pagode da rua Uranos, Marcelo D2, um dos convidados do carro de Arlindo, viu o sambista pela primeira vez em Ramos.

“A influência pra mim foi total. Eu vi essa parada começar no Cacique nos anos 80. Eu era moleque e me esqueci disso um tempo, e só lembrei de novo quando virei músico. Aí entendi que pra fazer rap brasileiro eu tinha que buscar minhas raízes”, recorda D2, que era “meio punk” na época, mas que levou um toque de um amigo sobre a produção musical da turma do Cacique.

“Aquela imagem da roda me impactou muito”, afirma.

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“O Arlindo é o símbolo maior do samba da minha geração. A gente gosta disso por causa dele”, diz outro impactado pelo pagode do sambista perfeito, o parceiro de samba-enredo André Diniz.

“As pessoas não têm noção do que isso [desfile] representa para o Arlindo. Porque ele de vez em quando desabafava, achava que amava muito mais o Império do que o Império amava ele. Acho que isso aqui é um acerto de contas no coração dele”, completa.

Quem sabe como ele toca o coração de Arlindo é Arly. Irmã mais velha do sambista, ela admite a preocupação com o desfile.

“Ele é meu caçulinha…”, diz, carinhosa.

“Como irmã, posso dizer que ele está feliz e emocionado. Eu garanto”, continua. E o conselho para o irmão?

Arly, a irmã – Romulo Tesi

“Beber uma água com açúcar e ser feliz”, completou.

Enquanto isso, Arlindo e Babi aguardavam o momento de subir na alegoria. Às 21h56, assim que o Império acabou de executar o samba do Carnaval de 1996, sobre Betinho, parceria de Arlindo com Aluísio Machado, o homenageado saiu do automóvel onde estava concentrado para ser levado para a alegoria.

A pequena multidão que se formou em frente ao carro abriu passagem de forma respeitosa para o sambista.

Arlindo Cruz, amigos e familiares no desfile do Império – Alexandre Macieira/Riotur

De cadeira de rodas e segurando um machado de Xangô, Arlindo foi erguido no braço por quatro homens e colocado em um trono verde e dourado ao som de muitos aplausos. O lento cortejo pela Avenida Presidente Vargas foi acompanhado de perto por fãs. Às 22h02 o carro chegou ao Setor 1 para ser ovacionado pelo povo.

Lá foi Arlindo para a consagração que só a Marquês de Sapucaí é capaz de promover. E Graziele completou a primeira e mais difícil parte da missão.

Romulo Tesi

Romulo Tesi Jornalista carioca, criado na Penha, residente em São Paulo desde 2009 e pai da Malu. Nasci meses antes do Bumbum Paticumbum Prugurundum imperiano de Aluisio Machado, Beto Sem Braço e Rosa Magalhães, em um dia de Vasco x Flamengo, num hospital das Cinco Bocas de Olaria, pertinho da Rua Bariri e a uma caminhada do Cacique de Ramos, do outro lado da linha do trem. Por aí virei gente. E aqui é o meu, o nosso espaço para falar de samba e Carnaval.

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