A crise causada pela pandemia de coronavírus fez a Mangueira tomar uma medida incomum para aliviar suas contas: a escola vai sortear o posto de destaque principal no carro abre-alas da agremiação no próximo desfile, ainda sem data para acontecer.
A Verde e Rosa lançou a campanha esta semana. Quem quiser concorrer, deve comprar um ingresso solidário, ao preço de R$ 300 cada, para o próximo evento na quadra da Mangueira.
O primeiro sorteado não só vai desfilar como destaque principal, como terá a fantasia paga pela agremiação – um valor que, dependendo de quem faça, pode superar o de um carro zero km. O vencedor também terá o direito de levar um acompanhante como apoio, devidamente vestido com a camisa oficial da escola. Há prêmios para até cinco sorteados (saiba mais aqui).
Se conseguir vender todas as mil unidades, a Mangueira conseguirá levantar R$ 300 mil. A intenção é cobrir os gastos com os salários dos seus profissionais.
“Devido às restrições impostas pela pandemia do novo coronavírus, a Escola de Samba não pode realizar nenhum evento presencial para manter suas contas e seu quadro de funcionários. Diante dos desafios para a manutenção do pagamento de seu respeitado time de profissionais, a Instituição oferece a vaga de destaque central em seu abre-alas, e outros prêmios, em troca da manutenção de parte do salário dos artistas que defendem os principais quesitos do desfile”, publicou a escola na página da campanha.
Ainda que pese a desesperadora situação financeira da escola, a ação tem suas controvérsias. O posto de destaque no abre-alas é cobiçado e negociado dentro das agremiações, e ocupado normalmente por componentes tradicionais, como explica o jornalista e escritor João Gustavo Melo.
“Quando a Mangueira faz essa ação para captar recursos, ela está por um lado obviamente tentando captar dinheiro. Por outro lado, usa um espaço que seria de um componente com um bom tempo de escola. No caso da Mangueira, o posto vinha sendo ocupado por destaques tradicionais como Eduardo Leal, Ludmilla Aquino, Tânia Índio do Brasil e Nabil Habib”, explica Melo, autor de “Vestidos para Brilhar”, livro sobre o segmento mais luxuoso dos desfiles.
“Pode gerar ruído entre os destaques, mas é preciso pensar também que a gente vive um momento de extrema dificuldade”, pondera o escritor, enredista da Beija-Flor e com trabalho destacado no Salgueiro.
“Acredito que como a gente vive um momento de extrema excepcionalidade, seria importante condensar essas duas coisas, a tradição e a crise. Uma coisa importante: o segmento dos destaques deve ser muito valorizado sempre. São pessoas que colocam seu esforço financeiro, com vultuosas quantias de dinheiro, no desfile”, completou Melo.
Decepção e compreensão
Responsável na Mangueira pela coordenação dos destaques e composições (o restante dos componentes que desfilam em alegorias), Ari Lang admite que os integrantes do segmento foram surpreendidos com o sorteio – alguns não gostaram –, mas entenderam a situação extrema.
“Eles ficaram um pouco decepcionados, mas todos entendem que o Carnaval não é só a beleza da passarela. Muitas pessoas que trabalham para que o desfile seja maravilhoso precisam receber seus salários e a escola, que também sente a crise causada pela pandemia, precisa achar meios de manter os trabalhadores com seu sustento, dignidade e condições de manter todas as famílias que esperam pelo Carnaval para ter condições melhores de vida. Pensando em um bem maior, a maioria aceitou a decisão e acredita que a escola precisa achar diferentes maneiras de arrecadar dinheiro para que os trabalhadores do Carnaval não sofram tanto”, ponderou Lang, que desfile desde os 10 anos e faz parte do Conselho Deliberativo Fiscal mangueirense há oito.
Já pensando no eventual sortudo que realizará o sonho de ser destaque da Mangueira, Lang faz um alerta: é preciso se preparar.
“A pessoa deve subir no carro, verificar se terá problemas com a altura, o incômodo da roupa, o tempo que levará para se arrumar e o tempo de desfile com uma roupa quente. A postura e o comprometimento com a escola também são parte da preparação. Há um ponto muito importante que é a animação de ganhar um sorteio e trabalho que é para chegar até a avenida e desfilar defendendo o nome da escola. Sabemos que qualquer problema com a roupa ou um detalhe, é um décimo perdido em alegoria e adereços, e um campeonato pode ser perdido assim”, pontua.
Até R$ 70 mil
O caminho até o topo de um carro alegórico é longo e caro. Além de envolver a questão política – importância e poder de influência dos interessados –, é preciso ter dinheiro para bancar o sonho, principalmente se for em uma escola de ponta, como é o caso da Mangueira.
Segundo João Gustavo Melo, uma fantasia costuma custar entre R$ 30 mil e R$ 70, ou até mais em alguns casos.
As roupas são, diz Lang, “custeadas 100% pelos destaques sem nenhuma ajuda da escola”.
“E com a pandemia e a crise que estamos passando, os destaques podem ter dificuldades para compra de material para fazer as fantasias, por conta da escassez dos produtos. Muitos viajam para comprar, o que se torna outro impedimento que a pandemia traz”, diz Lang.
Já o local do desfile costuma ser escolhido pelo carnavalesco e a coordenação de destaques, “conforme o estilo, o biotipo e a história cada destaque, adequando de acordo com o enredo”, completa.
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