Ele tinha o poder de ficar invisível na frente dos inimigos e enfrentava os rivais só na base da capoeira. Tinha o corpo fechado para os tiros de revólver e, quando precisava, escapava de brigas mais covardes voando, transformado em um besouro. Parece um super herói de quadrinhos, mas é a descrição de Besouro Mangangá, capoeirista baiano que liderou a resistência do povo negro no período pós-abolicionista no início do século 20. Muito além do mito e dos feitos fantásticos, Besouro existiu de fato e entrou para a história alternativa do Brasil. E no próximo Carnaval, será o enredo do Império Serrano, na estreia do cultuado carnavalesco Leandro Viera na escola da Série A.
Segundo Vieira, as duas facetas do homenageado serão mostradas no desfile, mas com destaque ao herói do Recôncavo e seus superpoderes, que remete a um “Pantera Negra” baiano.
“O Besouro é uma espécie de super herói. A narrativa fantasiosa o coloca nesse aspecto. Isso é bacana porque o Brasil não é um país de produzir super heróis. Entre o personagem inventado pelas forças oficiais, prefiro dar luz ao herói inventado pelas forças populares, o misticismo popular que dialoga com as matrizes africanas”, disse Vieira em entrevista coletiva nesta segunda-feira, 7, durante live do Império para o lançamento do enredo.
O carnavalesco adiantou que o desfile vai mergulhar no universo do Recôncavo Baiano do início do século passado e seus personagens, como os jagunços, os senhores, a produção de cana e as fazendas de engenho, mas vai mostrar os componentes que dão contorno heroico a Besouro.
“O enredo vai dialogar profundamente com o misticismo baiano, com a ideia que esse homem tinha o corpo fechado e consagrado a determinados orixás. Entre eles Xangô, de quem Besouro teria herdado o senso de justiça; Ogum, orixá de cabeça de Besouro, de quem ele herdou o gosto e sendo da luta; Exu, que abriu os caminhos por onde ele passava”, completou o carnavalesco.
Não tá no retrato
O enredo sobre Besouro retoma a um tema que Vieira já havia tratado no desfile campeão da Mangueira de 2019, sobre os personagens brasileiros que não costumam aparecer na história oficial. É o caso do capoeirista.
“A história do Brasil foi marcada pelo apagamento. Apresentar Besouro é dialogar com o Brasil que não está no retrato”, declarou.
Jorge Amado, cinema e teatro
Besouro Mangangá é um personagem envolto de mistérios. Filho de ex-escravos, nasceu Manuel Henrique Pereira e viveu em Santo Amaro, na Bahia. O líder se notabilizou na defesa dos mais humildes, sobretudo dos negros que, no início do século 20, ainda eram tratados como escravos. Eram comuns trabalhos sem remuneração e castigos físicos por parte dos patrões, os donos de engenhos e usinas.
Aí entra Besouro, que usava a arte da capoeira para proteger os outros e a si próprio da tirania dos “coronéis” da Bahia e ajudar a pavimentar o caminho da afirmação da cultura negra e os direitos dos ex-escravizados e seus descendentes.
Besouro morreu em 1924, na localidade de Maracangalha, vítima de uma emboscada. O objeto usado no assassinato, fruto de uma traição, foi uma faca de tucum, um tipo de madeira, única arma capaz de perfurar a carcaça de homens com o corpo fechado como o de Besouro.
Besouro inspirou músicas, como “Lapinha”, de Paulo César Pinheiro com Baden Powell. Gravada por Elis Regina, ela imortalizou na história da MPB o trecho “Adeus Bahia, zum, zum, zum, Cordão de Ouro, eu vou partir porque mataram meu besouro”, tirado do samba de roda da Bahia. Pesquisador da vida do capoeirista, Pinheiro depois ainda compôs com João Nogueira outro clássico do gênero, “Besouro Mangangá”. Nos palcos, Besouro também rendeu um musical, inscrito e musicado por Pinheiro.
No cinema, o capoeirista é o protagonista de “Besouro”, de João Daniel Tikhomiroff, que mistura histórias reais e os mitos em torno do personagem para criar um thriller com sotaque baiano, cheio de cenas de luta eletrizantes, que muitas vezes lembram os duelos de artes marciais de filmes estrangeiros. Não por acaso “Besouro” contou com o trabalho do chinês Huen Chiu Ku como coreógrafo das cenas de luta.
No entanto, uma das menções mais antigas a Besouro é de Jorge Amado, que dedicou um capítulo de “Mar Morto”, de 1936, ao personagem.
“Mas foi ali [em Santo Amaro] que nasceu Besouro, correu naquelas ruas, ali derramou sangue, esfaqueou, atirou, lutou capoeira, cantou sambas. Foi ali perto, em Maracangalha, que o cortaram todinho a facão, foi ali que seu sangue correu e ali brilha a sua estrela, clara e grande (…)”, conta Amado em “Mar Morto”, justamente onde Pinheiro teria conhecido Besouro.
Carnaval incerto
Ainda não há definição se haverá desfiles em 2021. Este mês, a Liesa deve anunciar o cancelamento do Carnaval do próximo ano para as escolas do Grupo Especial. Não há, porém, posição definida pela Lierj, que reúne as agremiações da Série A (Acesso), caso do Império Serrano.
Sinopse
O texto do enredo foi divulgado em vídeo, lido pelo cantor e percussionista Arifan Júnior, que toca berimbau no filme. Assista e leia a sinopse abaixo:
Assista à live na íntegra:
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