Disputa de samba-enredo, nunca mais. É assim que Ivo Meirelles reage ao ser questionado sobre os concursos para escolha do hino das escolas. Em 2017, fez parte de parcerias na Grande Rio e Mocidade Alegre. Derrotado nas duas, Meirelles garante: foram suas despedidas. Ainda assim, só por causa dos enredos, sobre Chacrinha e Alcione, respectivamente.
O motivo, segundo o mangueirense, são os rumos que as disputas tomaram, com altos custos e vantagem para os mais abastados.
“É frustrante você perceber que a qualidade musical não está em primeiro lugar”, disse Meirelles em entrevista ao Setor 1.
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Ex-presidente da Mangueira, em gestão que dividiu opiniões, sobretudo por causa das dívidas, o músico relembrou os tempos em que foi chamado de “ditador”. Muito pela forma solitária com que escolhia os sambas da Velha Manga, sem influência de torcida e fogos de artifício, garante. Mais longe da escola, Meirelles admite saudade e diz que só volta após uma mudança da diretoria.
“Não costumo bater palma para maluco dançar”, disparou o autor do clássico samba da Mangueira de 1986 (“Caymmi mostra ao mundo o que a Bahia tem e a Mangueira também”).
A distância, garante, e só física. Principalmente após a sua mudança – ou quase isso – para São Paulo. Com a agenda cheia na cidade, Meirelles passa cinco dias por semana em terras paulistanas (veja aqui) apresentando sua nova cria: uma mistura de samba e sertanejo batizada como “Sertasamba”.
“Eu abracei e estou sendo abraçado por São Paulo”, declarou o sambista, que aproveita para estar mais perto da mãe, Nanãna da Mangueira, também cantora e ex-rainha de bateria, que mora na cidade há muitos anos.
Veja o papo na íntegra:
Você se mudou de vez para São Paulo?
De vez, não. Mas eu abracei e estou sendo abraçado por São Paulo. Eu precisava. Era muito tempo no Rio. Minha mãe mora em São Paulo há mais de 50 anos, e faltava uma proximidade com ela, inclusive artisticamente. Ela sempre foi uma cantora que me influenciou, mas nunca tivemos uma divisão de palco constante. Morando em São Paulo, estou mais próximo dela. Ela está inclusive abrindo meus shows no Bar Brahma. E não há mais os espaços que existiam no passado para a diversidade musical. O Rio encolheu. São Paulo é uma praça enorme, por onde o Brasil passeia. Então decidi mostrar minha música para quem está em São Paulo. E tem dado muito certo. Toco para pessoas de Maceió, Belo Horizonte, Santarém… No Rio eu estava mostrando mais do mesmo para os cariocas, que já me conhecem. Estou me sentindo em casa, já que passo cinco dias por semana em São Paulo. Já ensino o taxista o caminho.
Você vem trabalhando uma novo estilo, uma mistura de samba com sertanejo batizada de Sertasamba. Isso tem a ver com mudança para São Paulo?
Claro que sim. Os sócios do Bar Brahma têm camarotes em Jaguariúna e Barretos. No ano passado fui convidado para tocar no camarote em Jaguariúna. Agora em 2017 toquei no camarote do Bar Brahma em Barretos. Vi o universo sertanejo de outra forma e resolvi também agradar esse público que me abraçou. Em 2016 eu não toquei nenhuma música sertaneja no camarote, apesar dos pedidos. Mas ninguém me hostilizou, pelo contrário. Eu estou ali para agradar o meu público, e comecei a colocar música sertaneja no meu repertório, mas do meu jeito. E vem dando certo. Estou gostando do resultado. Só ainda não fiz o tal do reggaeton (estilo de origem caribenho), mas estou pensando.
Em São Paulo, você disputou o concurso de samba na Mocidade Alegre…
No ano passado disputei na Nenê de Vila Matilde, que é uma escola pela qual tenho o maior carinho, mas fui mais porque os amigos pediram. Já a Mocidade foi a escola que revelou minha mãe, onde ela foi rainha de bateria por 10 anos, e que tem um enredo sobre a Alcione, que fala de Mangueira, Mangueira do Amanhã… Eu me identifiquei e decidi fazer o samba.
Você pensa em compor de novo para escolas de samba?
Não. Quando fui presidente da Mangueira, as coisas com que eu mais me identificava era com a bateria e samba-enredo. Nunca me deixava influenciar por torcida, dinheiro, fogos, quadra cantando. Samba tem que ouvir sozinho, em casa, fechando os olhos e imaginando: ‘é com esse samba que a escola vai desfilar’. Não a cada eliminatória, vendo torcida cantar, puxador cantar… Para mim essa não é a forma certa de escolher samba. Tenho percebido ao longo dos anos que a qualidade caiu. Não sei se por falta de conhecimento ou de comprometimento, mas pela falta de dedicação em se escolher um com samba. Tenho percebido que se escolhe samba pelo puxador, pela quantidade de torcida que levam… Eu não quero fazer parte desse jogo. Fiz também um samba na Grande Rio (este ano) por causa do enredo sobre o Chacrinha, que me seduziu, mas eu não pretendo repetir a dose porque é frustrante você perceber que a qualidade musical não está em primeiro lugar. É muito triste.
Entrevistei o Xande de Pilares recentemente, e ele reclamou do alto custo da disputa. Segundo ele, uma parceria chega a gastar R$ 150 mil em uma escola de ponta no Rio.
Para ganhar samba enredo numa escola hoje tem que gastar muito dinheiro. Tem que pagar torcida, ônibus… Não dá. Eu sou velha guarda. Você ouvia o samba e olhava para as pastoras, para a porta-bandeira, o mestre-sala, e você via se aquele samba ganharia ou não pelo gosto dessas pessoas. Hoje não, o dirigente decide a favor desse ou aquele porque tem um cantor cantando muito bem, ou porque tem torcida grande. E o comprometimento com a obra ficou sem segundo plano. E não dá mais para eu entrar em concurso de samba-enredo e ter que gastar do meu bolso R$ 20 mil para fazer o samba acontecer na quadra.
Como você escolhia samba na Mangueira?
Eu falava com os compositores: ‘gasta quem quiser gastar, mas isso não vai me influenciar’. A quadra cheia de gente cantando, bola subindo e fogos explodindo não vão me seduzir. Em 2011 (enredo sobre Nelson Cavaquinho), tomei uma vaia sonora na quadra quando escolhi um samba que não tinha torcida nenhuma e um cantorzinho de meia tigela. Os outros dois finalistas tinham torcida imensa. Passei três semanas sendo criticado, mas depois comprovei para todo mundo que estava certo. O samba da Mangueira de 2011 é um dos mais cantados na quadra.
E quem você ouvia antes de se decidir por um samba?
Aí é que mora o perigo… Na concepção de algumas pessoas, isso soava como uma ditadura, mas eu não ouvia ninguém. Para ouvir as pessoas, eu acabaria ouvindo mais do mesmo. O cara que gosta do samba “x” porque tem torcida, o outro que prefere samba “y” porque tem um puxador conhecido. Eu queria ir na contramão disso. Queria ouvir meu coração. Ou se ouvia, não dava atenção. Se eu tivesse dado atenção, esse samba de 2011 não venceria. Modéstia à parte, nos meus quatro carnavais na Mangueira, posso dizer que três sambas que escolhi vão ficar marcados para sempre. Ao contrário de muitos outros que ganharam e a quadra não canta, que o mangueirense esqueceu.
Você ainda tem contato com a Mangueira, com a escola de samba? Ainda frequenta? Sente saudades?
Claro que tenho saudade, mas não frequento a Mangueira por questões políticas. Mas o morro da Mangueira é um lugar que está no meu coração o tempo inteiro. Foi onde eu nasci. A a Mangueira é a escola do meu coração. Voltarei a frequentar a escola quando a gestão for favorável a mim. Se não for, não tem motivo para aparecer. Não costumo bater palma para maluco dançar.
O que você achou do enredo para 2018 (“Com dinheiro ou sem dinheiro, eu brinco”), mais crítico e com a resposta ao Crivella? Foi aclamado por muitos como o melhor do ano.
Também acho. É fantástico. O carnavalesco (Leandro Vieira) acertou em cheio. Tem três ou quatro sambas que gostei muito. Um está acima da média. Prefiro não citar qual. E tem outros três. Qualquer um desses, se ganhar, será o melhor do Carnaval, e a Mangueira vai estar candidatíssima ao título.
Esse enredo nasceu de um corte de verba pelo prefeito do Rio. O que você achou da medida?
Para mim, trabalhar sem dinheiro é normal. Trabalhei assim durante quatro anos. Se eu fosse presidente da Mangueira hoje, faria Carnaval tranquilamente com essa verba. Quem sabe da história real, sabe que trabalhei quatro anos sem dinheiro e não coloquei a culpa em gestões passadas. Fiquei na minha, calado. Eu sou da época do Carnaval sem dinheiro. Na minha gestão, só (o enredo sobre) Cuiabá teve patrocínio, e assim mesmo o dinheiro que recebemos foi dividido com a Unidos do Jacarezinho, que fez, a pedido meu, o Centenário do Jamelão. Tínhamos R$ 3 milhões de Cuiabá para fazer Mangueira e Jacarezinho. Nos outros não tivemos um centavo de ninguém.
A Mangueira não sente a mínima falta sua. Nenhuma gestão precisa de sua incompetência administrativa de volta. FORA.