Os candidatos apoiados pelas escolas de samba venceram as eleições para as prefeituras do Rio de Janeiro e de São Paulo. No pleito deste domingo, 29, o portelense Eduardo Paes (DEM) venceu Marcelo Crivella (Republicanos) com 64,07% dos votos, contra 35,93% do adversário na capital fluminense. Em São Paulo, Bruno Covas (PSDB) teve 59,38% dos votos e derrotou Guilherme Boulos (PSOL), com 40,62%.
Em mais ano de crise em 2021, pós-pandemia, o resultado pode ser decisivo para as escolas, em um Carnaval onde o dinheiro, de novo, deve fazer a diferença. O cenário dos dois lados da Via Dutra ainda é de incerteza, mas, no Rio, a eleição de Paes tem ares messiânicos no mundo do samba. A expectativa é alta.
Traição e corte
No Rio de Janeiro, a disputa do segundo turno ficou entre Paes e o atual prefeito, que ganhou status de “inimigo do Carnaval” e traidor depois que cortou a verba municipal para as escolas de samba – isso após receber o apoio do então candidato na campanha de 2016.
Na ocasião, ficou famosa a foto em que dirigentes do Carnaval posaram ao lado de Crivella, em ato para oficializar o apoio, mostrando as duas mãos espalmadas, formando o número 10, do bispo. Evangélico, Crivella chegou a cantar o samba-enredo do Salgueiro de 1971.
Poucos meses após a vitória sobre Marcelo Freixo (PSOL), Crivella anunciou a redução de 50% da subvenção para as agremiações, de R$ 2 milhões para R$ 1 milhão. Nos anos seguintes, o prefeito realizou novos cortes, até zerar os repasses em 2020. A Liga Independente das Escolas de Samba (Liesa), pelo menos oficialmente, evitou o confronto direto com Crivella durante todo o mandato, mas, no fim, quem socorreu as agremiações foi o governo estadual, que intermediou um patrocínio.
Nos desfiles, Crivella virou alvo dos carnavalescos. Mais até: o corte inspirou o enredo da Mangueira de 2018, assinado pelo aclamado artista Leandro Vieira, que defendia um Carnaval menos dependente do dinheiro. O prefeito foi retratado como Judas em um dos carros alegóricos.
No ano seguinte, a Acadêmicos do Sossego, da Série A (acesso) prometia levar para a avenida uma escultura de Crivella representado como o diabo, com chifres. Mas a escola depois recuou, tirou a obra do desfile e negou que se tratava do prefeito.
Curiosamente, enquanto Crivella fazia agia publicamente contra o Carnaval, a Riotur, empresa municipal responsável pela festa, comemorava o resultado dos dias de folia e os R$ 4 bilhões movimentados na economia do Rio só em 2020.
Zé Pilintra x “Zé Pilantra”
Com isso, Paes, ligado às escolas e figurinha fácil e participativa nos desfiles, recebeu o apoio praticamente automático das agremiações e uniu a comunidade do samba contra Crivella. Uma escolha bem fácil.
A expectativa é que o novo prefeito retome a subvenção, ainda que, publicamente, não confirme. Informações de bastidores dão conta, porém, a volta do repasse das verbas oficiais. Em 2021, os desfiles não acontecerão em fevereiro, no Carnaval oficial, por causa da pandemia de Covid-19, e o mais provável é que as apresentações sejam realizadas na primeira quinzena de julho – ou seja, com o novo mandato de Paes já estabelecido.
No último debate entre os candidatos no segundo turno, na Globo, Crivella ironizou a proximidade de Paes com o Carnaval, afirmando que o adversário gosta de usar “chapéu de Zé Pilintra”, entidade da umbanda. Em resposta, a turma do samba se mobilizou nas redes sociais para votar usando chapéu panamá. Nos memes, eleitores sambistas disseram que seria o duelo entre Zé Pilintra e Zé Pilantra.
Um episódio inusitado que ajuda a entender a relação de Paes com o sambas aconteceu no aniversário de 80 anos de Tia Surica. No primeiro dia de campanha do segundo turno este ano, o candidato do DEM deixou de ir ao debate com Crivella na CNN para comparecer à festa da baluarte da Portela, na quadra da escola.
Paes chegou com flores para a aniversariante, e foi recebido com um afago bem ao estilo da sambista: “aquele filho da p… não pode ganhar”, referindo-se a Crivella. A festa foi transmitida ao vivo pela internet, e o xingamento logo viralizou nas redes sociais (assista).
“O Rio está livre do pior governo da sua história, do mais omisso, do mais despreparado e do mais preconceituoso. Hoje, os cariocas estão livres para voltar a confirmar essa cidade como uma cidade da diversidade. O Rio vai voltar a dar certo”, declarou Paes após a vitória.
Anhembi
Em São Paulo, as escolas abraçaram em massa o candidato do PSDB. Bruno Covas, desde que assumiu após a eleição de João Doria para o governo estadual, em 2018, sempre se comportou como aliado do Carnaval. Enquanto a folia de rua crescia, tornando-se uma das maiores festas do país, Covas manteve o apoio às agremiações que desfilam no Anhembi. O prefeito chegou a aumentar o valor da subvenção – chamada pela prefeitura de cachê – em 8,3% para 2020.
Este ano, o investimento total foi de R$ 35 milhões. No caso do Grupo Especial, a subvenção subiu de R$ 1.181.546,88, em 2019, para R$ 1.280.618,31 em 2020 para cada agremiação. Houve também repasses para os grupos de acesso. Para 2021, Covas acompanhou de perto as conversas para a realização dos desfiles fora do Carnaval, e a prefeitura prevê um orçamento de R$ 33 milhões.
Câmara
Nas eleições para a Câmara, as escolas também elegeram um representante: Milton Leite (DEM) foi o segundo vereador mais votado, com 132.716 votos. Ele é presidente de honra da Estrela do Terceiro Milênio, do Grupo de Acesso 1, e tratado como liderança e defensor do Carnaval pelas agremiações, com larga influência entre elas.
Para se ter uma ideia da força de Leite, em 2019 ele foi um dos autores do projeto de lei, sancionado por Covas, que deu isenção de impostos para as escolas de samba.
No início do mandato de Doria, em 2017, Leite assumiu a presidência da Câmara. Segundo informações que circulam nos bastidores, o vereador convenceu o prefeito a desistir da redução de verba para as escolas, na mesma época que Crivella anunciava o corte de verba no Rio.
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