Novo Anhembi prevê arena na concentração do Sambódromo; obra pode mudar desfiles de SP

Anhembi, Sambódromo
Ilustração de parte do novo Anhembi, com a arena multiuso no espaço da concentração e uma curva na pista do Sambódromo – Foto: GL Events

A prefeitura de São Paulo e a GL Events lançaram no último dia 8 de junho o projeto que promete modernizar o Anhembi, transformando o local em um grande complexo com centro de convenções e outras edificações. Um detalhe, porém, chamou a atenção da turma do samba: no vídeo de apresentação do chamado “Distrito Anhembi”, cerca de metade da área que atualmente serve como concentração das escolas de samba será ocupada por uma arena multiuso de 50 mil metros quadrados, com capacidade para 20 mil pessoas.

A solução para a entrada das escolas, pelo menos no vídeo, é a construção de uma pista em curva, saindo pela avenida Olavo Fontoura, paralela ao Sambódromo.

No entanto, o que parece fácil de resolver com computação gráfica, na prática vira uma encrenca das grandes para as escolas de samba, com potencial para mudar de forma significativa o Carnaval de São Paulo – tanto na dinâmica dos desfiles como no tamanho das alegorias. A concentração, como se conhece hoje, não existiria mais, e as agremiações teriam que estacionar as alegorias em outro local, ainda indefinido, horas antes do desfiles.

Vídeo de apresentação do Distrito Anhembi

“As alegorias vão passar por um túnel por baixo da concentração e sairão na entrada da avenida em um elevador”, brinca Fernando Penteado, veterano sambista do Vai-Vai, aos risos.

Com uma vida inteira dedicada ao Carnaval, Penteado, agora falando sério, admite: “vai ser difícil? Vai. Vai ser ruim? Vai. Mas a gente vai ter que se reinventar”, analisa o atual diretor Cultural da escola do Bixiga, e que comandou por anos a harmonia da agremiação.

“Estamos todos com um ponto de interrogação na cabeça”, lamenta Penteado, que corre para fazer um alerta: ao contrário do que parece, “o Sambódromo vai da concentração à dispersão”.

Fernando Penteado, do Vai-Vai – Reprodução/Instagram

Atual campeão com a Águia de Ouro, o carnavalesco Sidnei França pensa em possíveis soluções para a uma nova concentração, mas alerta que mais obras precisariam ser realizadas.

A curva, inclusive, não seria o único problema: a Olavo Fontoura está em um nível abaixo da pista do Sambódromo. Nesse cenário, as alegorias precisariam subir uma rampa, caso não fosse feita alguma intervenção no trecho – algo impensável para um carro alegórico, motorizado ou não.

“Havendo tal intervenção, será momento de buscar soluções que podem ser desde a adaptação da Avenida Olavo Fontoura como espaço de enfileiramento das alegorias por ordem de desfile. Porém, tal intervenção requererá o nivelamento desta avenida com a concentração, haja visto que atualmente a via pública é mais baixa em relação à concentração/pista de desfiles”, lembra França.

Para o carnavalesco, porém, a comunidade do samba precisa antes ser ouvida, começando por uma “necessária e obrigatória negociação entre a empresa responsável pelo projeto e a Liga SP”. Aí, sim, após estudos, buscar uma solução.

Por enquanto, França mantém cautela ao comentar o projeto, ainda no papel.

“Qualquer análise do assunto sem a negociação das partes envolvidas pode ser considerada prematura. De qualquer maneira, a divulgação da arena multiuso no espaço da concentração estabelece uma série de questionamentos e reflexões a respeito do quão dono do espaço o samba e o carnaval são, bem como sobre a constante necessidade de revisão dos esforços logísticos e operacionais na produção da folia paulistana”, declara.

Sidnei França, carnavalesco da Águia de Ouro – Foto: Liga SP

Em São Paulo, as alegorias são levadas dos barracões para a região do Anhembi com dias de antecedência – cerca de duas semanas antes dos desfiles. Quem se apresenta na sexta de Carnaval leva os carros diretamente para a concentração; as agremiações que desfilam nos outros dias deixam as alegorias em um terreno ao lado do Anhembi.

Nos locais há espaço de sobra para as escolas finalizarem os carros. Muitos chegam pequenos ao local, onde são finalmente montados e ganham o gigantismo visto na avenida.

Para comparação, as escolas do Rio de Janeiro não têm o mesmo conforto. As alegorias são levadas para a concentração na avenida Presidente Vargas somente no dia do desfile, onde há bem menos espaço para retoques e montagens nos carros. Grandes intervenções, por exemplo, são quase impossíveis. Sem falar no viaduto São Sebastião, um obstáculo a mais para quem concentra no lado onde fica o conjunto de edifícios conhecido como “Balança Mas Não Cai”, à esquerda da Marquês de Sapucaí.

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Carnavalesco no Rio e em São Paulo, André Rodrigues conhece bem as duas realidades. Para o artista, “se houver de fato a mudança, deve ser muito bem planejada com as escolas de samba”.

“São Paulo tem características muito particulares de construção de alegoria e de outras coisas que não são somente técnicas, mas culturais. Pelos carros de São Paulo serem altos e grandes, há necessidade de espaço para o maquinário [como guindastes] trabalhar e colocar as pessoas nos carros, o que é feito muito perto da hora do desfile. Se não houver esse espaço, há de se pensar em pessoas em partes mais baixas dos carros, em que elas possam subir de escada, ou preparar locais específicos que facilitem essa subida, o que pode piorar a sensação de escala das alegorias. Será mais recorrente ver pessoas em partes mais baixas e no restante só esculturas, o que esfria a passagem da alegoria”, prevê Rodrigues, carnavalesco da Mocidade Unida da Mooca, em São Paulo, e da Acadêmicos do Sossego, no Rio, onde também trabalha como assistente na Beija-Flor.

André Rodrigues comemora título da MUM no Acesso 2 em 2018 – Divulgação

Uma saída, segundo o artista, seria reduzir o tamanho das alegorias, com impacto para uma das principais marcas dos desfiles no Anhembi.

“Nós levamos os carros quase que duas semanas antes do desfile para o terreno [ao lado do Anhembi], que são espaços muito grandes para cada escola, onde você pode colocar os carros e as peças, para finalizar já muito próximo do espaço do Anhembi. Se não tiver a concentração, vamos ter que fazer parecido com o Rio: levar alegorias praticamente prontas, com esquemas de montar e desdobrar, com pouquíssimos encaixes, o que vai diminuir as alegorias. É o principal impacto”, analisa.

A possível curva para entrar no Sambódromo é um dos pontos de maior preocupação. Segundo Rodrigues, os carros de São Paulo fazem pouquíssimas manobras como a curva de 90º prevista no desenho exigiria.

“É um problema muito sério. Às vezes você tem um boneco que se mexe para a frente, por exemplo, e pode ser que não haja mais espaço para fazer isso”, imagina.

“Atualmente, quem vem do terreno para a concentração basicamente faz curva para sair do terreno e entrar na zona de dispersão. A alegoria entra de frente na pista e vai até a área de concentração. Chegando lá há um espaço gigantesco para fazer a manobra como quiser e finalizar o trabalho. Isso facilita muito você para deixar os carros na diagonal, na posição que entrarão na avenida”, diz o carnavalesco, que pontua: as alegorias de São Paulo não são projetadas para muitas manobras, ainda mais com gente em cima.

Bilhões

A francesa GL Events foi a vencedora da licitação que concedeu o Complexo do Anhembi à iniciativa privada por 30 anos. A empresa arrematou a concessão por R$ 53 milhões em janeiro deste ano, e prevê investimento de R$ 1 bilhão no local.

Em comunicado distribuído à imprensa, a GL afirma que o Anhembi abrigará ainda “hotel, edifícios com vocações corporativas e de uso misto, coworking e inovação, hospital, centros comerciais e de logística”.

A expectativa é que o Anhembi receba cerca de 150 shows, congressos, feiras e competições esportivas por ano, e movimente R$ 5 bilhões a partir de 2024, para quando está prevista a inauguração. O início das obras está marcado para 2022.

Anhembi, Sambódromo
Simulação da futura arena multiuso do Anhembi vista de frente – Foto: GL Events

Procurada pelo Setor 1 para explicar a construção da arena, a GL não atendeu o pedido de entrevista, e enviou uma nota ao blog.

Segundo a companhia, foi apresentado somente o “masterplan”, o “projeto conceitual, com imagens ilustrativas”. E que a empresa “tem se reunido com as partes envolvidas” no Carnaval, incluindo a prefeitura e Liga SP para “elaborar o projeto que melhor se adeque às necessidades do Carnaval”.

Leia a nota na íntegra:

A GL events Brasil informa que o que foi apresentado em conjunto com a Prefeitura, nesta terça-feira (8/6), foi o masterplan do Distrito Anhembi. Ou seja, o projeto conceitual, com imagens ilustrativas. A companhia tem se reunido com as partes envolvidas na realização do Carnaval, como a Prefeitura de São Paulo e a Liga Independente das Escolas de Samba de São Paulo, para elaborar o projeto que melhor se adeque às necessidades do Carnaval. Tão logo o projeto executivo esteja finalizado, o mesmo será apresentado ao público.

A Liga SP também preferiu não conceder entrevista, mas afirmou ao blog, via assessoria de comunicação, que a GL se comprometeu em chamar a Liga para informar o cronograma e encontrar a melhor maneira de erguer a arena e comportar as alegorias na concentração, e que está otimista com as mudanças e a gestão do complexo.

Em nota divulgada na quarta-feira, 9, a Liga SP disse que “as demandas das escolas de samba de São Paulo em relação ao sambódromo do Anhembi — incluindo toda a logística dos desfiles — são ouvidas, preservadas e, portanto, levadas em conta nas mudanças projetadas, que, vale reforçar, são gradativas e têm como objetivo melhorar o Complexo do Anhembi”.

O comunicado, porém, não menciona a previsão da construção da arena multiuso no local da concentração.

Sambódromo do samba

Para Penteado, a encrenca poderia ter sido evitada se, nos primeiros anos de Sambódromo, no início dos anos 1990, as escolas tivessem assumido definitivamente o espaço. Penteado lembra que ele e Raimundo Pereira da Silva, o Mercadoria, da Rosas de Ouro, foram os responsáveis por escolher o local da construção do Sambódromo. E foram os sambistas que gastaram a língua e a sola do sapato numa peregrinação pelos gabinetes dos vereadores para conseguir o espaço, que se desenvolveu a partir da construção da passarela do samba.

Em seguida, no momento de se decidir quem administraria o espaço, uma indefinição por parte dos líderes das escolas acabou abrindo um buraco difícil de fechar hoje. Penteado conta que, por “vaidade”, não houve acerto entre as agremiações. A Paulistur, atual SP Turis, então se ofereceu para assumir, reduzindo a voz do samba na definição dos rumos do Anhembi.

Segundo o diretor do Vai-Vai, apenas Rosas de Ouro e Mocidade Alegre foram contra a proposta.

“Se isso está acontecendo hoje, a culpa é nossa, de 30 anos atrás, por ter deixado a Paulistur administrar e tomar conta de tudo. Lá atrás nós entregamos de mão beijada um trabalho que o sambista fez, que correu atrás de tudo. O Sambódromo foi uma conquista do samba”, conta Penteado.

Para saber mais:

Romulo Tesi

Romulo Tesi Jornalista carioca, criado na Penha, residente em São Paulo desde 2009 e pai da Malu. Nasci meses antes do Bumbum Paticumbum Prugurundum imperiano de Aluisio Machado, Beto Sem Braço e Rosa Magalhães, em um dia de Vasco x Flamengo, num hospital das Cinco Bocas de Olaria, pertinho da Rua Bariri e a uma caminhada do Cacique de Ramos, do outro lado da linha do trem. Por aí virei gente. E aqui é o meu, o nosso espaço para falar de samba e Carnaval.

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